Um comentário deixado no Facebook, a propósito do artigo de opinião que publicámos sobre o regresso da jornalista Ana Leal às reportagens de investigação, depois de ter sido afastada da TVI, suscitou-nos uma reflexão sobre as interferências e as pressões exercidas sobre o trabalho dos jornalistas.
Não sabemos se é como se afirma neste comentário. O que foi público, quando Ana Leal entrou em conflito com a direção de Informação da TVI, foi a interferência e a censura interna que os seus trabalhos sofreram. Reportagens feitas e que não foram exibidas, por decisão do diretor de Informação, são indícios dessa censura.
Na altura, o advogado de Ana Leal disse publicamente que “este litígio tem apenas a ver com uma questão: a liberdade de imprensa e a forma como esta é encarada por uns e por outros”, afirmou Ricardo Sá Fernandes.
Todos sabemos como isto termina, normalmente. Ana Leal acabou a rescindir com a TVI, depois de ter estado suspensa de funções mas a receber salário. A indemnização não deve ter sido pequena.
E como a memória não é curta, este episódio fez lembrar um outro, quando na RTP a polícia foi autorizada a visionar as imagens não editadas de uma reportagem. Tratava-se de imagens de uma manifestação em frente ao Parlamento no dia 14 de novembro de 2012. A PSP pediu para fazer esse visionamento, o jornalista Luís Castro (à época sub-diretor de Informação) cedeu o seu gabinete para que os polícias fizessem o visionamento em recato. Não se sabe se a PSP ficou com cópias dessas imagens. Presume-se que a intensão da polícia seria proceder à identificação dos manifestantes.
Quando isto foi denunciado publicamente, estalou o verniz entre diretores e administradores da RTP. Enervaram-se porque foram obrigados a ir dar explicações à Comissão Parlamentar para a Ética, Cidadania e Comunicação e porque tornou-se evidente que havia jornalistas a prestar serviços à PSP. Ora, ninguém trabalha a troco de nada, certo?
A coisa terminou, se a memória não me falha, com o afastamento de Nuno Santos que ameaçou ir para tribunal demandar justiça.
Outros deram as desculpas mais esfarrapadas e tristonhas. Vitor gonçalves, diretor adjunto, disse que achava que se tratava de uma reportagem sobre um acidente de viação…
O principal visado afirmou que “não dei autorização à polícia para visionar imagens, para entrar nas instalações da RTP. Eu não assisti ao visionamento. A única coisa que fiz foi ceder o meu gabinete para que as imagens fossem lá visionadas”.
Quando tudo isto aconteceu, Nuno Santos estava no estrangeiro. Ainda assim, a administração da RTP preferiu segurar Luís Castro e deixar cair o diretor de Informação. O presidente do Conselho de Administração na altura, Alberto da Ponte, disse que “o diretor de Informação tinha acesso à informação” e que, apesar de estar ausente do país, “durante todo o tempo seguiu o processo”.
Quem conhece as personagens deste enredo, sabe que Luís Castro sempre teve ligações com organismos militares e policiais, dos quais recebia muitas vezes informação privilegiada. E também sabe que Nuno Santos, apesar do nome, não é nenhum santo. Não importa já quem tinha razão e quem enganou quem. Importa não esquecer que jornalistas permitiram que a PSP tivesse acesso a imagens não editadas de uma reportagem sobre uma manifestação com vista a identificar pessoas. E isto não se faz.