Viajar é ir mais longe

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O ator Rogério Samora, um homem interessante e que continua hospitalizado e bastante doente, disse uma frase há uns anos que não mais esqueci. Dizia ele que há gente que viaja e há gente que passa férias no estrangeiro. Lembro-me de já ter pegado nesta observação inteligente antes, mas repesco-a também agora.

Muita gente que diz viajar realmente passa férias no estrangeiro. E quanto volta vem basicamente igual, mais bronzeada ou mais culta, sim, mas nem por isso mais sábia e mais aberta. E assim é porque, pura e simplesmente, não criou tempo nem espaço para, de facto, fazer uma “viagem”, no sentido pleno da palavra.

Os fãs das praias paradisíacas (também sou) que escolhem passar o dia no resort e os ávidos de cultura que só visitam museus e monumentos (também aprecio) e que só fotografam obras de arte e fachadas seguem o mesmo caminho. Querer relaxar e ter conhecimentos é válido, registe-se, mas o único trilho que percorrem é o da valorização egocêntrica, somando pontos ao seu bem-estar físico ou ao seu enriquecimento cultural do ponto de vista puramente estético e estático ou vice-versa. Raramente se aventuram pelas ruas do desconhecido, do imprevisto e do imprevisível, do contacto com os locais no sentido de os olharem, de os ouvirem, de os sentirem. Voltam exatamente com os mesmos preconceitos étnicos e por vezes contentíssimos por comprovarem as suas opiniões moldadas ao estilo de roteiro turístico ou forjadas a partir da televisão.

Há gente que “viaja” com medo para locais exóticos, pobres, complexos e sedutores por isso mesmo e por lá passam dias e semanas em medo, fechados à comunicação, abrigados em grupos e/ou não ousando sair dos planos de auto agenda que estabeleceram nas suas redomas interiores de turistas ocidentais, neste caso. A língua é o único entrave que impede de chegar às populações locais. Não havendo esse passaporte, a comunicação estará muito mais comprometida. Mas, ainda assim, a rua é a melhor forma de se observar e absorver o pulso local, o que vai para além das cores e dos cheiros, da gastronomia e do artesanato, dos souvenirs e, agora, das selfies.

Visitar um país sem tentar imergir na atmosfera do lugar significa passar ao lado de experiências e aprendizagens enriquecedoras, ‘eye-opening’, por vezes dolorosas, chocantes, tristes, outras surpreendentes, divertidas, marcantes, brutalmente diferentes do nosso quotidiano.

Visitar um país estando-se fechado por dentro é não ver nem reconhecer outras formas de estar, de trabalhar, de subsistir, de viver. E só pelo contraste, frequentemente (re)vestido de choque cultural, é que as nossas barreiras erigidas contra a diferença podem ser atenuadas, abaladas e vencidas.

Viajar é, pois, ir mais longe, em todos os sentidos possíveis.

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