Eu, que sou tão crítico em relação à Justiça (ou, melhor, justiça) em Portugal, tenho de dar “a mão à palmatória” e reconhecer, publicamente, que as coisas estão a mudar. Devagarinho? Está bem. Mas estão a mudar.
Os grandes banqueiros, responsáveis por “desvios” de milhares de milhões de euros continuam em liberdade? Continuam. Algum dia serão presos? Nunca. Algum dia serão condenados com trânsito em julgado? No Século XXI? Nem pensar!
Os políticos que entram em Ministérios, pela primeira vez, em carros velhos, comprados em segunda mão, um único fato engelhado pelo uso e sapatos com solas em estado miserável, e deles saem, passados poucos anos, em carros topo de gama, para vivendas de luxo em Portugal e no estrangeiro, almoçando e jantando em restaurantes caríssimos, viajando por todo o mundo em classe executiva, numa vida repleta de sinais exteriores de riqueza tão próprios de “novos-ricos”, serão, alguma vez questionados sobre esse milagre da multiplicação das notas bancárias? Jamais!
Nas cerimónias anuais da “Abertura do Ano Judicial” há anos que os intervenientes leem os mesmos discursos. Já os sei de cor. “O combate à corrupção vai ser a nossa principal prioridade, blá, blá, blá…!”
Nos programas de Governo, desde há décadas, há milhares de páginas onde, com grande destaque, se apresentam “estratégias”, “políticas” e “medidas”, de combate à corrupção. Resultados práticos? Nenhuns.
Ora, quando pensava que não havia solução, leio, com espanto, uma notícia que me dá alguma esperança. Nem todos os juízes serão iguais e alguns (pelo menos um), decidiram ir contra a corrente e serem implacáveis.
O Tribunal de Vila Real condenou, há dias, a dois anos e meio de prisão, embora suspensa na sua execução, Sandra Moutinho, presidente da junta de freguesia do Pinhão, em Alijó. Além da presidente, também a secretária e o tesoureiro daquela junta de freguesia do distrito de Vila Real, todos eleitos pelo PS, perderam o mandato e foram condenados por igual período.
A que se deve esta diferença de tratamento? O que terão feito, esta mulher – que, para além de presidente da junta de freguesia é também vice-presidente da Associação de Bombeiros Voluntários do Pinhão – e os seus companheiros na Junta? Que crimes cometeram para serem condenados, ao invés das figuras que acima menciono?
O Acórdão é elucidativo: O Tribunal deu como provado que os arguidos, enquanto membros do executivo da Junta, cederam, a um empresário de passeios de barcos no Douro, um quiosque, por 150 euros por mês, cujo alvará de licença de utilização havia sido dado à junta pela Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo para apoio turístico!
E dá pormenores: Na sequência do pedido feito pela junta, a APDL emitiu, a 9 de Agosto de 2018, o alvará de licença, constando que “o seu titular não podia fazer-se substituir no exercício dos direitos que o mesmo conferia, nem transmitir esses direitos a outras entidades, sem autorização expressa da APDL”.
No entanto, segundo o Tribunal, “após a emissão da licença, a Junta cedeu, por protocolo, o quiosque a um empresário de passeios de barcos no rio Douro por 150 euros mensais”.
Mais: “O tribunal concluiu que arguidas e arguido agiram deste modo, sem qualquer procedimento pré-contratual com vista a receção de propostas de outros potenciais interessados, sem caderno de encargos, sem fundamentação para a escolha daquele interessado concreto, sem conhecimento e aprovação da assembleia de freguesia e da APDL, com o intuito de beneficiar o referido empresário na sua atividade comercial”.
Só não digo que é uma grande vitória da Justiça porque a Junta de Freguesia emitiu um comunicado, onde afirma que “esta é uma decisão, na parte condenatória, com a qual a Junta de Freguesia do Pinhão não pode concordar, pois entende que nenhuma irregularidade foi cometida, tendo os membros da Junta de Freguesia procurado apenas acautelar o interesse da freguesia de dispor de um posto de informações turísticas na Praia do Pinhão)”, garantindo, depois, que iria recorrer da decisão.
Nada garante que os Tribunais superiores não revertam a decisão. Como tantas vezes acontece. De qualquer modo, registemos esta condenação a autarcas que assinam, com esta leviandade, contratos de 150 euros mensais.
E continuemos a aguardar que haja alguém com disposição para sentar, no banco dos réus, os que costumam dar essa quantia como gorjeta nos almoços que pagam com dinheiro de todos nós.
Tenho esperança de que seja possível na geração dos meus bisnetos.