Durante centenas de anos foi simplesmente uma igreja, a abadia do convento. Os árabes dizem abad quando querem dizer casa. Abadia é uma casa, portanto. E esta é uma das mais velhas igrejas de Lisboa. A primeira pedra foi lançada há 780 anos, quase oito séculos. Igreja mais antiga, em Lisboa, talvez só a Sé Catedral que antes de ser igreja católica era mesquita muçulmana e já lá estava quando a cidade foi conquistada pela força das armas.
Em 1241 seria uma igreja pequena. Mas foi crescendo à medida das ambições e das vaidades e do poder de reis e cardeais. A igreja cresceu em dimensão e em importância. Tornou-se centro da política e da intriga. E à medida que a cidade foi crescendo, ficou cada vez mais no coração da cidade.
No século XVI Lisboa era uma espécie de capital do Mundo e esta igreja estava no centro da cidade, palco da intriga e dos jogos de poder.
Em 1506 foi nesta igreja que começou a matança de judeus recém-convertidos ao cristianismo. Sob estas abóbodas espetaram-se as primeiras facadas e jorrou o primeiro sangue de milhares de pessoas perseguidas por toda a cidade e mortas por ódio estúpido, por inveja, por maldade e pelo poder.
O castigo não veio dos céus, mas do centro da Terra. 25 anos depois, um terramoto destruiu o edifício e com a destruição perdeu-se o tesouro em oiro, prata e tecidos caros que ornamentavam a igreja.
Foi tudo reconstruído e novo tesouro reunido, para tudo voltar a cair e a desaparecer no terramoto de 1755. As pinturas dos altares, os paramentos, os tesouros, tudo desapareceu.
Reconstruída de novo, com mais e maiores colunas de mármore negro, com maior ostentação e riqueza que antes, tudo voltou a perder-se num grande incêndio em 1959… e durante 40 anos ninguém aqui voltou a entrar.
Hoje, a igreja mostra as suas chagas, as cicatrizes de tantas feridas, o mármore lascado, as paredes enegrecidas, as paredes fendidas, o chão rachado… uma igreja destruída, mas ainda de pé, obrigada a viver, como quem expia tantos pecados…
Tiveram de passar 5 séculos para um Cardeal pedir perdão e, finalmente, se ajoelhar e rezar pelas vítimas do massacre.
Em frente à Igreja de São Domingos, gravado na pedra, está escrito que a Igreja católica reconhece profundamente manchada a sua memória por esses gestos e palavras, tantas vezes praticados em seu nome, indignos da pessoa humana e do Evangelho que ela anuncia… assinado por José, Patriarca de Lisboa.
Basta saber ler para compreender.