O porteiro do restaurante foi saudado em arábe:
كيف حالك يا صبي (queriam dizer, mais ou menos: “como estás, ó pá!”).
E o porteiro engasgou-se num “Hung!”.
Nicha Cabral fazia parte da comitiva, percebeu a dificuldade, e assumiu-se como tradutor. Os príncipes queriam que os clientes desocupassem o primeiro andar no restaurante na Rua da Misericórdia, para ficarem à vontade.
ضع القمل على الطاولات في الطابق الأرضي (queriam dizer, mais, menos: “Ponham esses gajos no rés do chão)
E assim aconteceu.
Depois sentaram-se todos, a falar “bouadi-lá ah-bá-lá”, para um lado e para o outro. E Nicha Cabral, célebre nas corridas de automóveis, traduzia as exigências bizarras do Príncipe-Mais-Mandão Iben Sadack de bigodes, magro e pele morena como um magrebino do deserto escaldante.
Príncipe Sadack garante petróleo em barda
Minutos depois, chega ao restaurante Roby Amorim, grande repórter, enviado por José Mensurado, um monstro do jornalismo que atravessou a ditadura e mais 20 anos da democracia de Abril.

O Principe-Mais-Mandão Iben Saddack diz que irá enviar vários navios de petróleo para as refinarias portuguesas – traduziu Nicha Cabral. Quando se negociava a importação difícil de petróleo do Irão.
Pelo meio da entrevista, comeu-se do melhor e bebeu-se whisky a rodos.
O dono do Tavares Rico gaguejava: -Sua Majestade, acha que pode beber?
Nicha Cabral traduziu e o Principe-Mais-Mandão encolorizou-se:
هذا الرجل الذي يرعى الثيران
(queria dizer mais ou menos: esse gajo que vá pastar bois)
Foram todos parar aos calabouços
A festa durou a noite toda. Às 9 da manhã o jornal O Século era vendido em todo o País com a manchete: “Negoceia-se em Teerão. Mas encontram-se árabes em Lisboa e o tema também é petróleo”, referindo-se às negociações em curso sobre o chamado “Acordo de Teerão” no âmbito da OPEC.
Uma hora depois os sete cavalheiros árabes estavam presos nos calabouços da Pide. A 500 metros do Tavares Rico. A brincadeira acabara mal.

As roupas e o carro foram alugados para aquela noite pela grupo composto por Jorge Correia de Campos (que fazia de príncipe Iben Saddack), “Nicha” Cabral (corredor de Fórmula 1), Manecas Mocelek (gerente do Stones e do Ad-Lib, discotecas do jet set lisboeta), Frederico Abecassis, Manuel Correia (com um impressionante maço de notas), Michel da Costa (o famoso cozinheiro e hoteleiro, o único que falava árabe) e Eduardo Oliveira Rocha.
Tudo aquilo era apenas uma aposta em como não seriam reconhecidos. Ganharam e claro pagaram com os costados na prisão. Aquilo tinha sido um desaforo à ditadura. Faltavam ainda 4 anos para o 25 de Abril de 1974.
Guarda florestal com pistolão à cintura
O Príncipe-Mais-Mandão, Jorge Correia de Campos, confessou-me anos mais tarde:
– Ó Ze! Aquela malta do antigo regime não tinha sentido de humor. Aconteceu tudo muito rápido. O jornalista apareceu porque, naquele tempo, os jornais avençavam toda a gente. Até o porteiro do Tavares. E eu sabia lá.
Jorge Correia de Campos foi um dos homens mais fixes e divertidos que conheci. Faleceu há pouco, para tristeza de meia Lisboa boémia. Foi dono da Quinta da Penha Longa, de uma bela quinta em Viseu, de várias minas e não sei mais o quê?.
Conheci-o num fogo na Serra de Sintra, em 1980. Ia eu com a equipa da RTP fazer umas imagens às 20 horas! Apareceu o Jorge de revólver Colt cano longo na cintura e um todo-o-terreno Portaro, feito por Hipólito Pires. Julguei-o uma nova espécie de guarda-florestal artilhado com 345 Magnum.
Criar cabras para cortar árvores
Meteu-nos no seu Portaro, lá por uns caminhos e acabámos sem gasóleo às duas da manhã, muito para cima do rio da Mula. Numa zona ardida. Esperámos até às 5 da manhã e fomos rebocados para o o convento da Penha Longa, onde estão sepultados os antepassados do Jorge, na Igreja.
O caseiro Alcides criava a pedido do Jorge cabras francesas para as dar a certas pessoas. Caso contrário era difícil cortar uma simples árvore podre ou arranjar um caminho.
Almeida Santos e Veiga de Simão quiseram comprar os 400 hectares. Foram postos na rua, quase pelas orelhas.
Tinha-se descoberto que Veiga de Simão era um comunista infiltrado no governo de Marcelo Caetano. E que teria passado certas informações. Marcelo era padrinho de Jorge Correia de Campos e de Marcelo Rebelo de Sousa.
Os arquivos de Marcelo Caetano
Jorge tinha acesso aos arquivos explosivos de Marcelo. Mas nunca os usou.
– Ó Ze! Eu era incapaz de fazer uma coisa dessas. Já me custou sair dos calabouços da PIDE com a malta. O meu padrinho ligou para aqueles cabrões. E ordenou: “Soltem já os rapazes”. E eles nem pestanejaram. Nunca gostei de favores. Mas pensei ser melhor aproveitar e pôr-me ao fresco. Ainda levávamos um enxerto de porrada.
Os japoneses com bolsos cheios de dinheiro
Quando vendeu a Penha Longa não lhe era permitido sequer construir um novo curral para as cabras. Quis dividir a propriedade em 200 unidades para construír casas enfiadas na serra, como na Suíça, dizia-me. Mas, claro! nunca conseguiu. Não havia dinheiro que chegasse para fazer certas pessoas mudarem de ideias.
Certo dia o grupo japonês Aoki chegou com os bolsos cheios. E as portas abriram-se. Fizeram o curral? Não. Fizeram um Hotel que parece um bolo de noiva kisch e enxamearam quinta de casas. Três dessas muitas casas valem agora o que Jorge recebeu pela quinta de 400 hectares, um convento e uma igreja monumental.
– Não te chateies Jorge! Viveste como um príncipe. O teu filho disse-me que foste sem avisar, mas como um príncipe. Ainda bem. És o gajo mais rijo e porreiro que eu conheci. Um abraço, companheiro.
Carissimo,
Antes de mais muito obrigado por contar, recontar este episódio tão divertido que se passou em Lisboa e teve impacto em vários países e até na bolsa de Nova York.
Na qualidade de filho de um dos intervenientes, só gostaria de esclarecer alguns factos.
1- Nenhum deles foi preso. Foram chamados à pide para um interrogatório, e depois de esclarecidos sairam. ninguem foi para os calabouços.
2- O Marcelo Caetano, acordou preocupado por não saber que estavam Árabes a negociar petróleo em Lisboa. Depois da informação da Pide, achou graça á patranha. repreendeu o afilhado e os restantes.
3- A ideia do Jantar e da “historia” surgiu dias antes em festas que os mesmo tinham estado mascarados de àrabes e irreconheciveis. Nunca pensaram em criar tanto alarido, simplesmente este foi criado por puro acaso de circunstancias.
Mas que foi uma bela patranha foi!!
Muito obrigado.