Nasci amante da liberdade e da justiça e entendo o Estado como uma pessoa de bem, que deve promover o desenvolvimento económico e a inclusão social. Isso fez de mim um social-democrata ou um socialista, que tanto faz. Marimbo-me para discussões semânticas, que só servem para erguer muros.
No início dos anos noventa, tive a honra de pertencer ao “núcleo duro” de um PS que, farto da podridão que roía o “cavaquismo”, tinha melhor solução para Portugal. Para, no final dessa árdua batalha, ouvir do atual Secretário-Geral das Nações, por quem nutro muito respeito, uma pergunta tão natural como a que foi feita a D. Afonso IV, no fim da Batalha do Salado:
– E agora… que queres fazer?
Alguém me sugerira para Alto-Comissário da Luta Contra a Pobreza, um cargo em que, até benevolamente, poderia influenciar numa das prioridades em que ambos comungávamos. Porém, vencida aquela batalha, nada quis. E bom conhecedor da espécie humana, apenas fiz uma “exigência”:
– Só quero que, quando esta malta começar a roubar, me ouças.
Algum tempo depois, com provas de que “algo não ia bem” no Ministério da Saúde e na Fundação para a Prevenção e Segurança Rodoviária, entendi solicitar um encontro. Concedido de imediato, o PM até me recebeu no alto da escadaria do Palácio de São Bento:
– “Candinho”, hoje, só me caem desgraças. Desculpa, mas vais ser recebido pelo meu Adjunto. No fim, falamos.
E assim aconteceu. No final de um café com o Adjunto Armando Vara, que, por acaso, fora o “cérebro” da tal Fundação, o “Toninho” fez questão de me interpelar:
– Então, que tal?
– Então… nada! Pois se ele é um dos principais visados…
– Mas o Vara garante-me que está tudo certo.
– E eu garanto-te que está tudo errado.
E lá me despedi, não sem antes ter ouvido algo como:
– És sempre a mesma coisa…
Anos depois, honrada, mas ingloriamente, António Guterres haveria de abandonar o seu próprio cargo para sair daquele “pântano”. Veio, depois, a “tanga” de Durão Barroso e o “traje-de-luzes” de Santana Lopes, até o poder tombar para Sócrates, em que, na altura, milhões de portugueses acreditaram.
E foi já nesse palco que tive ensejo de interpelar João Cravinho, um ministro de feitio muito difícil, mas sobre quem nunca recaíram suspeições. Confrontado com o endividamento do Estado na construção de rodovias, defendeu ele então que o fazia na convicção de que o impulso económico que tal investimento iria gerar, acabaria por o tornar lucrativo. E com essa me calou.
E assim andámos, até 2009, quando João Cravinho também notou que “algo não ia bem” na Administração. E a partir daí, é sabido que encabeçou uma luta inglória pela aprovação de leis anticorrupção. Esforço de que saiu um “aborto” legislativo, que eu próprio designei como “Manual de Direitos e Garantias dos Políticos Corruptos”. Isto, após uma sinuosa discussão na AR, em que pontificou o “pensamento político” de José Sócrates, suportado pelos “do costume”.
A partir daí, com o Ministério Público amarrado de pés e mãos, e sem qualquer alteração legislativa em sentido contrário, assistiu-se à pilhagem das instituições. Com a corrupção a galopar em Portugal, e caso único talvez no mundo, em 2011 não havia registo de um só dirigente político ou autarca, magistrado ou quadro superior da administração pública ou privada, civil ou militar ou de qualquer jornalista influente, detido em prisões. Certo?
Enquanto cidadão e patriota, sempre me bati, antes e depois do 25 de Abril, pelos valores que enformam a minha própria identidade. Desenvolvi, assim, uma larga ação em áreas da política, mas de que nunca retirei qualquer benefício material. Sobra-me a vontade de continuar firme e do lado certo da História, lealmente com os oprimidos e afrontando quem abusa do poder, em benefício próprio.
Não são estes, porém, os valores que hoje orientam o PS. E por isso, até num apelo à consciência de muitos socialistas que nunca se reverão nas práticas atuais, atrevo-me a proclamar:
– Obrigado, João Cravinho, pelos inimigos que arranjaste!
Força!…