Crónica de uma catástrofe anunciada

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Na pequena baía ainda há barcos de pesca artesanal, protegidos pelo pontão onde as ondas e a corrente se quebram. Em terra, poucas centenas de moradias. A Cova do vapor já foi uma aldeia de pescadores, atividade que hoje quase ninguém quer encarar como profissão. A malta só gosta de ir à pesca quando está bom tempo.

Hoje, a maioria das casas são moradia para velhos reformados ou destinam-se a satisfazer a procura de turistas que gostam de praia e de tasquinhas onde se grelha peixe fresco. A aldeia é de gente pobre, mas está longe de ser um bairro da lata. São casas humildes, não são barracas infectas.

É uma povoação com características próprias, as ruas estreitas, as casas aconchegadas umas às outras, o chão de areia. Não há escola, não há centro de saúde, não há correios, nenhum serviço público. Mas as carências fizeram realçar uma certa ironia, patente na toponímia ou no nome dos estabelecimentos comerciais.

A Cova do Vapor é um sítio calmo, a maior parte do ano. Nunca nada acontece por ali. Mas, na verdade, é um local ameaçado, destinado a desaparecer, a ser arrasado pela força da Natureza tal como aconteceu em 1755, quando ao terramoto se sucedeu um tsunami devastador. A Cova do Vapor desapareceu arrastada pelas vagas que destruíram aquela zona costeira.

Registos escritos dessa época relatam que a Igreja de Nossa Senhora do Monte, na Caparica, ficou quase totalmente destruída, assim como a maior parte das casas dos moradores e das ermidas de várias povoações da grande freguesia de Caparica (que, então, abrangia Sobreda, Charneca, Costa, Porto Brandão, Murfacém (nome antigo da Cova do Vapor), Trafaria, Vila Nova, Capuchos e outros lugares), também ficaram em estado bastante arruinado.

Um sismo pode acontecer de um momento para o outro, sem pré-aviso. Mas há catástrofes anunciadas e que, igualmente, ameaçam locais como a Cova do Vapor. A linha de costa está a recuar cada vez mais, o perigo ronda as zonas mais baixas desde o Montijo, Costa da Caparica, Trafaria e a aldeia da Cova do Vapor está nesse perímetro.

De resto, o avanço do mar e a erosão costeira já obrigaram os moradores a mudar de casa várias vezes. Nos anos 80 e 90, desapareceram os baixios que a maré baixa destapava entre a Cova do Vapor e o Bugio e as casas de madeira que estavam a um quilómetro do Bugio tiveram de ser mudadas quando o mar submergiu aquele chão.

Agora, com as alterações climáticas a acelerar, a costa entre a Cova do Vapor e a Fonte da Telha será a zona mais fustigada pelo avanço do mar. Estudos apontam para a subida das águas em cerca de dois metros. Considerando as tempestades e as flutuações de marés, uma catástrofe na zona anuncia-se. Mas ainda ninguém desistiu de viver com os pés na água das ondas.

fotos de Carlos Narciso

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