Assédio sexual

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Joana Emídio Marques é jornalista no Observador, antes trabalhou noutros jornais, sempre na área da cultura. Escreve sobre livros, espetáculos, arte, teatro, dança, exposições. E escreveu, agora, na sua página do Facebook uma crónica sobre assédio sexual de que foi vítima.

A cena passou-se em 2002, quando ela procurava confirmar a aquisição da editora Assírio e Alvim pela Porto Editora.

“No ano de 2012 começou a correr a notícia de que a Porto editora ia comprar a mais importante chancela de poesia a Assírio e Alvim, cujo catálogo tinha nomes como Herberto Helder. Para quem está fora do meio literário isto pode não significar nada. Para quem trabalha no meio era uma cacha (um furo jornalístico) e eu queria-o para mim. Era “amiga”, no facebook, do editor e homem forte da Porto Editora, que já então me enviava mensagens pseudo-sexutoras (não é erro, inventei esta palavra). Aceitei jantar com ele para falarmos da compra da Assírio.

Não por acaso ele marcou o jantar num fim de semana em que a sua mulher estava num festival literário no México. Mas esta ligação eu só fiz muito depois. Fomos a um restaurante (caro) ali ao fundo da rua do Alecrim, um que serve sushi. Ele, cavalheiro a ajudar-me a despir o casaco, a puxar a cadeira para eu me sentar. Estava eu a ficar bem impressionada, quando ele tira do bolso uma caixinha de comprimidos que espalhou na palma da mão e aproximou do meu rosto e lançou: estás a ver? Não tenho aqui nenhum comprido azul.

Eu, que acabara de conhecer o homem e não queria parecer burra, forcei o meu cérebro a tentar entender a “piada” mas não consegui. “Oh, soltou ele” não te faças de sonsa”. Assim, logo a tratar-me por tu e a insultar-me de forma velada. Nesse momento eu entendi (se nasces mulher aprendes cedo a descodificar alusões sexuais): o homem estava a mostrar-me, a dizer-me que não tomava Viagra. E aquilo que era para mim um jantar de trabalho tornou-se logo ali uma humilhação.  

“Como fazia sempre, tinha deixado o meu carro estacionado na Rodrigues Sampaio, junto à porta do DN. Ele ofereceu-se para me dar boleia até lá. Aceitei. Erro meu. Quando parou o carro e ia dar-lhe os tradicionais 2 beijos de despedida, o Manuel Alberto Valente ainda achou por bem começar a tentar beijar-me na boca, com uma descontração que mostrava que ele deve ter feito isto centenas de vezes.

Eu afastei-me e sai do carro. Em silêncio chamei-o de velho porco, em silêncio humilhado chorei até Setubal. Contei isto a vários amigos, mas não mais. Queixei-me ao (na altura) assessor de imprensa da Porto Editora, Rui Couceiro, que reconheceu “haver esse problema”, como quem aceita que pode chover num dia de sol.

Se fores mulher, ser tratada sem vergonha nem respeito, é apenas mais um dia normal na tua vida. O Manuel Alberto Valente, acabou no final do ano passado, por ser afastado da Porto Editora. Hoje em dia é cronista do Expresso. Colega do Henrique Raposo que veio a público pedir às mulheres que digam nomes. Aqui está um nome, caro Henrique. E tenho mais. Mas talvez não dê jeito ouvir”, conclui Joana Emídio Marques.

Na senda de Harvey Weinstein, Manuel Alberto Valente arrisca, agora, tornar-se no paradigma a abater. Confirmando-se as suspeitas reveladas por Joana Emídio  Marques de “que ele deve ter feito isto centenas de vezes”, esta acusação pode gerar um efeito dominó, caso surjam outras. Nas redes sociais, Manuel já arde na pira onde as feministas pretendem que ele expie os pecados.

A versão portuguesa do movimento #metoo está aí e de garras de fora. Se fugir à regra das “meias tintas” tão tradicional dos portugueses, muita gente vai ter problemas para voltar a polir a sua imagem pública.

Tudo começou há algumas semanas com a atriz Sofia Arruda a explicar que tinha ficado anos sem trabalhar num canal de televisão por não ir para a cama com quem à época mandava na tal chafarica, logo seguida por Catarina Furtado que confirmou a banalização do bullying sexual ao dizer que fora assediada por três pessoas em cargos superiores hierárquicos. É o tal efeito de dominó que estas coisas têm… mas, ao contrário das anteriores, Joana “chamou o boi pelo nome”. O Manel que se cuide.

Manuel Alberto Valente (foto que circula na internet)

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