Por exemplo, pedir uma tarifa social para as contas de água/saneamento básico e energia dá direito, permitam-me a ironia, a um bacharelato em Administração Pública por equivalências. Trata-se de uma maratona olímpica para a qual exigem do/a requerente que ele/ela tenha estudado Direito desde a escola primária. Senão, vejamos: quem tenha mudado de titularidade no contrato de água e saneamento (no meu caso foi o que aconteceu) tem de esperar quatro meses para poder apresentar um pedido de atribuição de tarifa social. Porquê? A entidade necessita de verificar o consumo doméstico feito naquela morada. Se este ultrapassar um determinado patamar mensal de metros cúbicos de água (algo normal em agregados familiares, por exemplo, de quatro ou mais pessoas), o utente não poderá ver atribuída a tarifa, mesmo estando a passar dificuldades económicas.
Quando questionados sobre a razão desse período “experimental”, respondem que “são as regras”, sem mencionar qualquer lei, regulamento, portaria ou decreto. Aliás, no próprio portal de Internet não constam essas regras com clareza, nem sequer no separador de “Legislação”.
A seguir, com a justificação das restrições impostas pela pandemia do coronavírus, é preciso enviar digitalizados os documentos exigidos, incluindo um formulário preenchido e assinado pelo punho de quem requer. Quem avance com o pedido, tem de estar equipado/a (isto vale para entidades do Estado ou outras companhias fornecedoras de serviços como gás, electricidade, telecomunicações e outras) com computador, internet em casa, e um aparelho que sirva as vezes de impressora/scanner/fotocopiadora. Somos todos obrigados a estar a par das novas exigências tecnológicas. E não ter posses para essa parafernália ou desconhecer as leis não é razão (a segunda alegação não é válida para políticos, como todos sabemos). Quem quiser tratar destes assuntos, terá de fazer omeletas sem sequer as cascas dos ovos. No meu caso, graças à ajuda de pessoas amigas, tenho conseguido imprimir e digitalizar os documentos que me exigem.
No caso da tarifa social de electricidade, o meu pedido foi aceite, porém, até lá chegar foi algo digno de um livro de Kafka. As idas e vindas neste caso foram sobretudo telefónicas, tendo tido num dos passos do processo o azar de apanhar uma telefonista que me informou de forma errada sobre uma das etapas – e fui esclarecida por outra pessoa, com uma visível irritação na voz, se calhar por estar a repetir pela enésima vez o que já tinha dito a outras pessoas. Fui informada de que teria de fazer um pedido à Direcção Geral de Energia e Geologia para entrada na chamada “lista de vulnerabilidade económica”, a ser divulgada no portal da Autoridade Tributária. Em simultâneo (só descobri isso mais tarde) o/a requerente tem de preencher no portal de Internet do fornecedor energético o exacto pedido; quando e se a Direcção Geral aceitar essa inscrição na dita lista, a Autoridade Tributária aceita e a empresa de electricidade atribuirá de forma automática a tarifa social.
Um desconto modesto que sabe a pouco, tendo em conta o que gastei em tempo de espera e dinheiro nas chamadas telefónicas às diferentes entidades para levar o processo para a frente.