Se não lhe tivessem fechado as portas, estaria prestes a fazer 100 anos. Até ao final de agosto de 2018, foi uma das pastelarias mais concorridas de Lisboa, mas quiseram fazer ali um hotel e não foi possível evitar o fecho da Pastelaria Suíça.
O projeto do hotel de luxo foi aprovado em 2009, era então Presidente da Câmara António Costa. A ideia foi muito debatida e combatida na opinião pública e publicada, a coisa não avançou.
As questões urbanísticas e que envolvem grandes investimentos imobiliários têm revelado as fragilidades de quem governa a cidade. Incapazes de se oporem à força do dinheiro, deixam que o património urbanístico seja desvirtuado ou destruído. Até mesmo o tão apregoado programa camarário das “Lojas com História” tem sido ineficaz para evitar que os edifícios sejam vendidos a capitalistas estrangeiros apenas interessados em especular ou rebentar com tudo para erguer prédios em betão e vidro de rentabilização garantida. Nunca se percebeu, por exemplo, porque razão a Pastelaria Suíça não foi integrada nesse programa de “Lojas com História”.
Com o fecho da Suíça, a Baixa de Lisboa morreu mais um pouco. Daquele lado do Rossio está tudo ou quase tudo fechado à espera da renovação prometida e que nunca mais chega. A cidade ainda não ganhou nada e duvida-se que venha a ganhar. E não estamos a falar de impostos sobre o imobiliário, estamos a falar de alma e característica, a argamassa que diferencia um sítio do outro. É isso que Lisboa está a perder. Os centros históricos são para se recuperar e manter, são para serem vividos pelos habitantes e pelos turistas. No dia em que Lisboa for parecida com outras cidades, ninguém terá vontade de a conhecer. É um mau negócio.
Há uns meses, a autarquia de Lisboa aprovou um novo projeto para aquele grupo de edifícios onde se integrava a Pastelaria Suíça. Agora vai ser um grande espaço comercial. Vão manter as fachadas, mas por dentro será um centro comercial não muito diferente de outros que enxameiam o país, embora os arquitetos deste novo projeto garantam ir preservar elementos arquitetónicos do século XVIII, preservar as pinturas dos tetos, utilizar madeira como se fez originalmente no tempo do Marquês de Pombal.
É verdade que não é possível manter tudo sempre como estava, porque os tempos mudam e a vontade dos homens muda com eles. Mas seria interessante manter a memória, pelo menos. Naquele conjunto de edifícios há História. Nos pisos superiores funcionou um hotel, como demonstram fotografias do início do século XX. O hotel Francfort e na esquina existiu o restaurante Irmãos Unidos (fechou em 1970), frequentado por Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, entre outros.
Mas nada disto está feito. Falta passar do projeto para a prática. Há muita obra por fazer. Lisboa precisa de renascer. O problema é que para renascer, precisaria de população residente. Uma cidade não se faz só com lojas e escritórios. Precisa de casas onde as pessoas vivam. E as casas que Lisboa está a construir ou a remodelar são só para gente rica. Tema para outro artigo.
As cidades são como borboletas. Nem sempre larva no casulo, nem sempre lagarta, nem sempre inseto alado a voar de flor em flor. Mas precisa de saber para onde vai, precisa de saber a razão da sua existência. E uma cidade existe em função de quem lá vive. É apenas isso.