A propósito do FCP…

Sou um benfiquista ferrenho, dos que nem frequenta o Estádio da Luz por ser o único local do mundo em que corro o risco de morrer de susto. Posta esta “declaração de interesses”, avanço com uma história verdadeira, mas que só ofende quem tem medo da verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade…

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Esta é uma história que versa assuntos raros e sérios, porque não é todos os dias que um amigo nos morre nos braços, enquanto assistimos a um desafio de futebol.

Em 1984, AB era um dos meus pacientes em tratamento de diálise. Homem bem-sucedido, que fazia o bem sem olhar a quem, tinha, contudo, um “gravíssimo defeito”: uma tara patológica pelo “nosso” Benfica, que ele amava acima de todas as coisas visíveis e invisíveis 

Sofrendo também de uma angina de peito instável, só depois de alguns ataques cardíacos no Estádio da Luz, de que “saíra de charola” a meio, é que o convenci a não frequentar tais “ares”, demasiado fortes para a sua víscera cardíaca.

Porém, todo o sacrifício tem limites. Se para os jogos caseiros ainda vá que não vá, sempre que havia taças europeias não dava margem:

– Se tenho de morrer, que seja no Estádio da Luz. – Arriscava. – Lá na “catedral”, até vou direitinho ao céu.  

Era uma temeridade, porque nesse tempo nem dispúnhamos de “dopings” para estimular o sangue, hoje utilizados para corrigir a anemia de que muitos destes doentes renais sofrem. Era o caso dele que, “com as pilhas sempre em baixo”, nos causava enorme sufoco com essas saídas aos jogos internacionais. Dias antes, à cautela, sempre lhe “carregávamos as baterias” com uma transfusão de sangue extra. E a que também sempre juntávamos uns “drunfos para o caminho”…

E assim sofrendo todos a bom sofrer, AB lá foi sobrevivendo às tentações do demónio, mais fiel ao seu clube do que um beato a defender a sua igreja. Até à célebre final europeia de 1984, em que o Porto defrontou a Juve.

Nessa noite de maio, sem imaginar que o perigo rondava a sala, eu sentara-me de plantão a dois passos da cama daquele benfiquista dos quatro costados que, também interessado no jogo, nem tugia. Tudo a correr pelo melhor, até os italianos marcarem o primeiro golo. Nesse preciso instante, ouvi-o soltar um “ai” e ainda o vi levar a mão ao peito.

Saltando do balcão, em segundos confirmei que o seu coração cessara de bater. E de nada valeram os cuidados que lhe dirigimos; irreversível, alguns minutos depois tive mesmo de aceitar que estava morto. E ainda hoje me pergunto:

– Quem podia adivinhar que um fanático do SLB pudesse tão ingloriamente “dar a vida”, pelo seu “odiado” FCP?

Não admira que, num mundo que não “bate bem da bola”, a recente passagem do FCP, por Turim, me tenha merecido uma dupla e sentida comemoração:

– Obrigado, FCP! É que, agora, até o meu amigo AB já pode descansar finalmente em paz, depois desta desforra.   

Acreditem que foi um feito memorável, mesmo para um benfiquista que anda a “penar por um mundo que não bate bem da bola”: ainda ontem, a TV nos mostrou um chacina de cães em Ponta Delgada, cidade onde, em silêncio cúmplice de todos, persiste o último “tarrafal humano” da Comunidade Europeia”; enquanto isso, a ilha da Madeira está deserta quando é dos destinos mais seguros do mundo; e também as fronteiras aéreas de Portugal são as únicas a que toda a Europa impõe restrições, quando há muito apresentamos ótimos resultados; já quanto ao gabinete de crise, vemo-lo num esmero de estratégia no combate à pandemia, “acertando-nos o passo” pelos doentes em cuidados intensivos resultantes da última vaga e não pelo número de novos casos diários que, desde há vários dias, permite avançar, à confiança, para um desconfinamento gradual e seguro, obviamente se bem monitorizado; ao mesmo tempo que ninguém pergunta como é que um banco intervencionado pode aceitar a penhora das ações de um privado, sem comunicar ao Estado que, por acaso, também detém importante capital nessa empresa; e nem um treinador de oiro, de um Sporting de sonho, escapa ao seu destino de português competente…

A vida não está nada fácil e só não sofre quem anda de olhos tapados ou não tem coração. E é assim que, ainda que sem Benfica que se veja, só posso terminar com um:

– Viva o futebol!

Mas anda tudo doido… ou o que é que se passa?

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