Se a Democracia portuguesa tivesse orgulho na sua História, o ano de 1961 seria celebrado condignamente em cada decénio, no mínimo. Ou seja, neste ano de 2021 teríamos alguma cerimónia que fizesse lembrar às pessoas os factos relevantes do combate ao salazarismo que ocorreram há 60 anos.
Em 22 de janeiro foi o assalto ao paquete Santa Maria da Marinha Mercante. O navio fazia a ligação regular de Portugal com o Brasil. Nessa viagem embarcaram 23 operacionais portugueses e espanhóis (entre os quais o famoso Camilo Mortágua) da denominada Direção Revolucionária Ibérica de Libertação (DRIL), um grupo antifascista que lutava contra os regimes de Salazar e Franco. No dia 22, no mar das Caraíbas, assaltaram a ponte de comando do navio, eliminaram a resistência que alguns membros da tripulação opuseram (houve 1 morto e vários feridos resultantes do tiroteio) e, assim, realizaram uma das mais audaciosas ações de revolta, que teve enorme impacto mediático no estrangeiro, onde a censura da PIDE era ineficaz.
Uma ação comandada pelo capitão do Exército português Henrique Galvão, igualmente responsável moral pelo desvio do avião “Mouzinho de Albuquerque” da TAP, em novembro de 61, quando fazia a ligação Lisboa – Casablanca. O desvio do avião foi realizado por 6 operacionais (Camilo Mortágua participou igualmente neste ataque) da denominada Frente Antitotalitária dos Portugueses Livres no Estrangeiro, comandados por Palma Inácio. O avião foi levado a sobrevoar a baixa altitude Lisboa, Barreiro, Beja e Faro, com milhares de panfletos de propaganda política da oposição assinados por Henrique Galvão a serem lançados para as ruas dessas localidades. Foi outra ação de grande impacto e o avião foi aterrar em Tânger, Marrocos.
Em 4 de Fevereiro, foram desencadeados os primeiros ataques da UPA no norte de Angola e do MPLA em Luanda, era o início da guerra naquela colónia africana. Os efeitos desses ataques foram de tal modo impactantes que não foi possível esconder o sucedido, nem em Portugal nem no estrangeiro. A revista Paris-Match deu grande destaque a esse acontecimento, o regime salazarista começou lentamente a cair nesse momento.
Em agosto de 1961 o Governo do Daomé (atual Benim), antiga colónia francesa na África Ocidental, ataca e ocupa a Fortaleza de São João Baptista de Ajudá. Com 4,5 hectares, era uma das colónias mais pequenas do mundo. A fortaleza foi fundada em 1680 pelos portugueses e serviu, sobretudo, como entreposto comercial, nomeadamente de escravos. Portugal só reconheceu a soberania do Benim sobre a fortaleza em 1975. Foi o primeiro território ultramarino em África que Portugal perdeu no século XX. Nas restantes colónias africanas, a luta armada iria demorar ainda mais 2 ou 3 anos a ter início.
Em 18 de dezembro de 61, tropas indianas entram em Goa, Damão e Diu, quase sem resistência. A integração da Índia Portuguesa na União Indiana era exigida pelo primeiro-ministro indiano, Jawaharlal Nehru, desde a independência do império britânico, em 1947. Salazar teimou em não negociar, perdeu tudo.
O ano de 1961 foi verdadeiramente desastroso para o regime de Salazar. Devíamos todos estar a dançar à volta da fogueira da fraternidade entre povos e da igualdade entre pessoas. Mas estamos esquecidos e ainda passou tão pouco tempo.