Em tempos idos foi um dos pontos de encontro da burguesia e intelectuais de Sintra. Como hotel, inaugurou em 1879, mas o edifício é mais antigo. Rezam as crónicas que a casa pertenceu ao antigo almoxarife de Sintra, capitão-mor Máximo dos Reis.
Trabalhos arqueológicos realizados no terreno puderam comprovar que a estrutura tem elementos arquitetónicos reaproveitados reveladores de que se trata originalmente de uma das várias edificações manuelinas de Sintra, ou seja, algures entre os séculos XV e XVI.
No início do século XX, o hotel passou para as mãos de dois primos galegos que mantiveram a qualidade do serviço e continuaram a atrair clientela famosa. Um dos hóspedes mais ilustres foi o escritor Ferreira de Castro (1898-1974) que ali viveu cerca de 12 anos, e onde escreveu parte da sua obra literária. Os anos 70 ditaram o encerramento do hotel. O edifício ficou sem préstimo e ao abandono. A ruína acentuou-se à medida que o tempo passou.
Em 2016 julgou-se que havia sido encontrada a salvação. O empresário hoteleiro Carlos Saraiva comprou o edifício por 1 milhão de euros e tinha o projeto de o reabilitar para voltar a ser de novo um hotel de charme. Mas o processo de reabilitação tem decorrido com demasiada lentidão, nenhum prazo estipulado tem sido cumprido, acredita-se mesmo que Carlos Saraiva apenas pagou uma tranche inicial e que a Câmara Municipal de Sintra ainda hoje está à espera do resto do dinheiro.
A venda a Carlos Saraiva foi um negócio mal explicado. Em 2013, a empresa Parques de Sintra-Monte da Lua, empresa constituída para gerir parques e monumentos de Sintra e que tem capitais públicos, com uma participação da Câmara Municipal, quis comprar o edifício. O preço era de 600 mil €. Mas Basílio Horta tinha ideias diferentes e a Câmara exerceu o direito de preferência. Dois anos depois, o edifício ainda em ruinas foi vendido a Carlos Saraiva.
Na altura já se sabia que Saraiva estava em queda livre e na insolvência. Os projetos do hoteleiro deixaram um rasto de dívidas impagáveis à banca. É um mistério o que terá levado o Presidente da Câmara de Sintra a querer dar o Hotel Netto a Carlos Saraiva. O negócio foi altamente vantajoso para Saraiva. Foi aceite a modalidade de pagamento diferido. Assim, a empresa de Saraiva, Restelo Azul, pagou apenas 20% do montante da transação, 200 mil euros. Seriam pagos mais 30% quando a unidade abrisse portas e duas prestações de 25% aos seis meses e após um ano da entrada em funcionamento do novo hotel, que beneficiaria de isenção de taxas municipais por envolver a recuperação do edifício. Sendo assim, a CMS ainda não recebeu um centavo além dos 200 mil € iniciais.
Nos termos da adjudicação, em julho de 2016, o promotor dispunha de 30 meses (até dezembro de 2019) para concluir o hotel, “após emissão do alvará de construção ou licenciamento da operação urbanística”. A cumprirem-se os prazos, a recuperação do antigo Hotel Netto já estaria concluída há muito.
Numa reunião da vereação, em 2018, o próprio Basílio terá dito que a autarquia teria que “intervir porque o contrato diz que se as obras não forem feitas naquele prazo há uma resolução do contrato, eles perdem o dinheiro que já deram e nós ficamos outra vez com o hotel”, explicou o autarca à restante vereação. Aparentemente, não houve aplicação prática deste clausulado. O edifício não voltou para a posse da autarquia e um dos símbolos do romantismo sintrense continua entaipado e de futuro incerto.