Menos por menos dá mais

Estamos a viver uma fase extraordinária das nossas vidas. Esta pandemia que nos fez alterar regras, hábitos, costumes, rotinas, leva-nos a buscar reservas interiores com a finalidade de superarmos as carências que se vão atravessando nos nossos caminhos.

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Nunca a expressão resiliência teve tanta oportunidade de se manifestar. Não a resiliência em discursos bondosos, não a resiliência passiva cuja acção não passa da própria palavra. Esta resiliência – capacidade de superar, de recuperar de adversidades -, palavra pouco usada até há pouco tempo, chamava-se resistência noutras épocas.

Quer uma quer outra devem ter residência fixa nas nossas mentes, nos dias que correm. É preciso combater o miserabilismo, a autocomiseração resistindo ao negro desfile diário de miséria proporcionado pelas televisões em busca de audiência para venderem mais publicidade. O que nos é mostrado é um quadro deprimente de pessoas a serem exploradas pelos seus sentimentos abalados por uma qualquer adversidade decorrente da actual situação de saúde pública. Respeitamos a dor e o desespero do nosso semelhante mas não aceitamos o seu constante aproveitamento em que a informação é absorvida pelo “reality show” televisivo.

Fechados em nossas casas, tendo por companhia a “caixinha mágica que mudou o mundo”, somos diariamente inoculados de doses maciças de casos em que os sentimentos das pessoas são explorados ao máximo, conduzindo-nos a um sentimento depressivo por indução. Não há uma notícia positiva, uma vitória sobre a doença, um caso resolvido a contento, uma solução criativa. Só números e exploração da dor humana. E vamos para a cama carregados de pesadelos para acordarmos no dia seguinte com as mãos na cabeça, incapazes de aguentar outro dia de telejornais negros. Depois, vem a injecção do futebol, um dos três Efes do tempo da outra senhora – Futebol, Fátima e Fado – sem bem que o F de fado tenha sido substituído pelo F de Facebook. Mais o Sérgio Conceição pela enésima vez mais as vacinas que não chegam e as dezenas de comentadores diários especialistas de assuntos gerais. Como se diz em Angola: é muita carga.

Há sem dúvida casos extremos, desesperados que precisam de ajuda. Há sem dúvida pessoas que precisam de auxílio material imediato. Felizmente, o espírito solidário veio a terreiro minorar alguns problemas, ajudas oficiais foram montadas para o mesmo efeito. Autarquias, instituições de solidariedade social estão a fazer o seu dever. Mas a táctica do “choradinho” em público na televisão é a que mais rápido colhe frutos. Infelizmente, em alguns casos vem a saber-se que tudo não passou de um oportuno aproveitamento.

Vale a pena inserir aqui com a devida vénia, um excerto do tema apresentado hoje por Vasco Lourenço em O Público, através da Estátua de Sal:

A comunicação social, com realce escandaloso para as várias estações de televisão, certamente capturada por interesses inconfessáveis, por isso não assumidos, tem-se distinguido por andar à procura do homem que mordeu o cão, porque essa é que é a notícia! Só sabe procurar o erro, a falha, o escândalo – que infelizmente acontecem mais do que o desejável e mesmo o admissível –, para com isso fazer um alarido de todo o tamanho, escondendo o que é bem feito, desprezando os efeitos positivos que a sua divulgação poderia ter nos cidadãos. (Vasco Lourenço, in Público, 17/02/2021)

Cidadãos a quem se procura instalar o medo, o pavor de estarmos perdidos se não mudarmos de dirigentes políticos porque, insistem alguns, só há incompetência na função pública. Estamos deprimidos mais pelo que vemos e ouvimos do que pelo nosso próprio caso. Temos de ser resilientes e resistir a sermos “velhos do Restelo” militantes, nem que para tal recorramos aos nossos amigos brasileiros quando têm um problema: deixa comigo, vai dar tudo certo.

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