Cedo me apercebi que algo não corria bem no combate à pandemia: entre outros exemplos que até “furavam olhos”, recordo a corrida ao papel higiénico e a inexistência de gel e de máscaras, ainda antes do “primeiro tiro”, a 2 de março.
Justamente alarmado com o caos que reinava, tive então o cuidado de prevenir amigos de longa data que até haviam tido importante papel na condução dos destinos sanitários deste país. E, visando uma reunião alargada com os responsáveis da DGS – por especial favor e sem direito a revelar a fuga de informação – lá consegui o TMV de um enfermeiro, na aparência o único perito que, naquela casa, talvez me pudesse ouvir.
Nessa altura, perante tantas falhas, erros e omissões e, ainda sem os milhões que veio a arrecadar, a CS ainda se atrevia a interpelar o PM sobre a necessidade de renovar o seu “plantel”:
– Não se trocam de generais a meio da batalha! – Respondeu ele, com a autoridade que lhe é reconhecida.
Estratégia quebrada logo no dia seguinte, com o país a assistir à demissão do encarregado da Linha SOS. Ao que soou, por alertar internamente para a falta de recursos humanos nesse serviço vital: mais um Siresp que só funcionava quando nada acontecia
Pretendendo colaborar, não tardei em responder ao apelo da OM e, entre mais de mil médicos jubilados, até sugeri reforçar a Linha SOS no “maior combate da vida do nosso SNS”. Oferta que foi declinada nos dias seguintes pela DGS, com o anúncio público da contratação de 250 novos enfermeiros, por certo bem mais apetrechados.
Dias depois, em pleno março, a TV ainda mostraria o responsável político por tão brilhantes decisões a pavonear-se no aeroporto de Lisboa, onde, com pompa e circunstância, recebeu sem proteção o primeiro infetado português vindo do Oriente. Mais palavras, para quê?
Enquanto isso, o PR desertava do Palácio de Belém e o PM, também à deriva, visitava um serviço de “Infeciosas” rodeado de dezenas de emplastros, igualmente sem máscara. Ao que o “responsável clínico” garantia, não havia risco de contágio.
E foi assim, com as barbas dos vizinhos a arder, que entrámos tardiamente no primeiro confinamento sem ideia de como enfrentar uma “guerra biológica”. Combate que, defendi então, deveria ser coordenado por uma estrutura tipo militar e não por uma Comissão Nacional de Saúde Pública que, constituída por dezenas de pessoas que sabem tanto destas matérias como eu de pilotagem de aviões, reunia a conta-gotas.
As medidas drásticas então tomadas, o sol do verão e a pouca agressividade das estirpes que invadiram Portugal, permitiram-nos um verão relativamente calmo, ainda que com a PSP munida de viseiras protetoras e a ordenar a retirada dos manjericos das janelas. Até recomeçar a segunda vaga, a oportunidade de um PR, que passara a usar máscara a “conselho dos netos”, poder “brilhar” à saída das reuniões do Infarmed. Trata-se, de facto, de um excelente comunicador… sobretudo quando aborda matérias que desconhece. E foi aí que, alto e pára o baile, para a geringonça não empenar e os técnicos resistirem, se “acabou a mama”. Reuniões… o melhor é estar quieto.
Entretanto, várias certezas havíamos extraído: com três mil novos casos diários, alerta amarelo, o SNS deixaria de responder a muitas patologias; e com cinco mil entrávamos no laranja, restando tomar medidas drásticas, fosse o vírus chinês ou inglês. E foi nesse limite que, contra toda a ciência válida, os responsáveis resolveram, por consenso político, abrir as comportas pelo Natal.
De imediato caídos no vermelho, assim se entrou tardiamente e aos bochechos em novo confinamento, para o qual nem as escolas estavam preparadas.
A primeira linha deste combate, sempre o defendi, não reside nos hospitais de retaguarda, mas sim na prevenção: na formação e equipamento da Proteção Civil e dos agentes transportadores; em planos de contingência adequados, porque urdidos por gente competente; e, nesta fase, quando ainda nem se sabe da eficácia da vacina, na testagem em massa e no correto isolamento.
A tão badalada e dispendiosa aplicação Stayway, por exemplo, é apenas um dos fiascos facilmente demonstráveis, dirigido por quem nem serve para gerir capoeiras. Mais, até, do que o recente pedido de demissão do anterior responsável pela vacinação, visivelmente combalido na tomada de posse.
E assim chegámos ao dia de ontem, com a responsável máxima da DGS a sugerir não o uso de uma máscara… mas sim de duas. A mesma voz que, em março, nos desaconselhava o uso de tal proteção por dar “falsa sensação de segurança”…
Um conselho vos deixo, face a uma telenovela interminável e em que abundam “artistas e distribuidores”, sem que se vislumbre uma “produção” responsável:
– Cuidem dos vossos pulmões, mas, por favor, olhem também pela vossa carteira!