A favor de um desconfinamento parcial

Embora jubilado, mas com uma vida profissional dedicada à clínica e à investigação, logo em janeiro de 2020 levei o coronavírus “muito a sério”. Tendo começado por recolher e analisar o máximo de informação, procurei então promover o combate a uma pandemia que previ acontecer muito antes da própria OMS…

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Tratou-se de um esforço quase inglório, mas que, documentado em textos que publiquei, põe hoje a nu o melhor e o pior que existe na “raça humana”:

– inúmeros cientistas empenhados na verdade, em contraciclo com toda a casta de paranoicos e negacionistas;

– profissionais ciosos por medidas corretas, a par de charlatães e vendedores de banha-de-cobra;

– cidadãos que se voluntariam para salvar vidas, dirigidos por psicopatas capazes de passar à frente de tudo e todos;

– administradores públicos dedicados e competentes, ensombrados por poderes político-económicos dominantes e centrados na sua sobrevivência;

– alguns dignos comentadores, por entre uma catrefada de “comentadeiros”;

– e por aí fora…

E foi já perante as “graves falhas, erros e omissões” que cedo detetei, que decidi intervir civicamente e em diversos patamares:

– logo em fevereiro, ao propor planos de contingência para as instituições de risco, de que a libertação de presos foi um bem-sucedido exemplo;

– e, em março, já denunciava que, “INCRIVELMENTE e em prejuízo de fármacos caríssimos”, a cortisona ainda não havia sido ensaiada; a este propósito, em maio, cientistas ingleses reconheceram que, se a tivessem usado mais cedo, teriam salvo cinco mil vidas só no Reino Unido; 

– também em março, posto perante um PR em fuga e uma chefia atascada em centenas de “responsáveis”, não tive dúvidas em propor um comando centralizado, do tipo militar, como se enfrentássemos uma “guerra biológica”; a linha da frente, defendi então, deveria concentrar-se na formação sanitária das populações, na proteção civil e no impulso do SNS, que não nos hospitais de retaguarda, estes fáceis de ampliar.

– ainda em março, está tudo escrito, “decretei” o uso de máscara, apelando à comunicação social, à OM, ao SIM e a autoridades várias;

– e, em antecipação, denunciei também o atraso no confinamento e defendi um desconfinamento mais precoce, se levado a cabo com regras bem definidas;

– para, já em pleno verão, denunciar a bagunça que ia pelo Alentejo e pelas forças de segurança, prenúncio de quebra turística e de eclosão de nova vaga.

Em novembro, perante a experiência acumulada, dei como certo que com três mil internamentos, aviso amarelo, o nosso SNS deixaria de dar resposta a muitas patologias. E que com cinco mil, aviso laranja, corria o risco de colapsar.

E, ao mesmo tempo, reforcei a prevenção como grande prioridade, agora mais centrada na limitação de contágios e na identificação de novos casos, que não deveriam ultrapassar os mil, em cada dia.

E foi já em cima de um laranja-avermelhado que, em dezembro, com a classe política a garantir que o nosso país não podia suportar novo confinamento, que decidiu abrir as comportas pelo Natal, contra todas as evidências científicas.

O desastre era inevitável e, com Portugal a bater recordes do mundo e as imagens de horror a multiplicarem-se, o Governo viu-se então obrigado a novo e tardio confinamento: encerrando algumas atividades económicas de risco reduzido e, “espertamente” e por não ter feito o “trabalho-de-casa”, mantendo as escolas abertas.

E tudo isto sem que faltassem eloquentes “peritos” a suportar tão estapafúrdias decisões. “Decisores” que ainda hoje ditam “leis”, sem que o novo timoneiro ainda tenha tido ocasião de “mostrar serviço”. Um “serviço” que, afinal, é prestado por alguém que, em cenário de guerra, sabe bem que qualquer comandante tem de se munir de boa informação e, sob controlo apertado, promover constantes correções.

Foi esse o nível de exigência que imprimi à medicina intensiva que pratiquei, confrontado diariamente com inúmeras situações que urgia resolver. Do mesmo modo, também a atual pandemia não pode ser eficazmente tratada se prolongarmos medidas desnecessárias e não aplicarmos outras, emergentes.

Comigo a balançar entre a economia e a saúde, e com a mesma convicção com que sempre “acertei” no passado, atrevo-me hoje a defender que, nesta fase de decréscimo da pandemia, e sob intensa monitorização da ciência, Portugal já pode e deve “dar-se ao luxo” de desconfinar setores básicos, sobretudo nas áreas do turismo e restauração, desde que ofereçam condições de segurança.

Risco muito pequeno e medido ao milímetro porque, diariamente em cima dos acontecimentos, um “almirantado” capaz poderá sempre ditar orientações ao minuto.

Assim o libertem dos espartilhos da política… e logo vemos quem tem razão.

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