São Bento: hospício, prisão, quartel, parlamento

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O Palácio de S. Bento nem sempre foi palácio, mas sempre foi de S. Bento. Quer dizer, o sítio pertenceu aos monges Beneditinos desde que a Quinta da Saúde foi comprada por eles no século XVI.

Na Quinta da Saúde existia uma espécie de hospício para tratar doentes contagiados pela peste, daí o nome do lugar. A aquisição da quinta deveu-se à vontade dos Beneditinos ali instalarem os Monges Negros de S. Bento de Portugal, grupo de Beneditinos que usavam hábito negro. E foi assim que ali se construiu o Convento de São Bento, inaugurado em 1615.

O passar do tempo acabou por dar ao lugar outras utilidades: foi prisão da Inquisição, ali estiveram presos hereges célebres como, por exemplo, o poeta Bocage.

“Se quereis, bom Monarca, ter soldados
Para compòr lustrosos regimentos,
Mandai desentulhar esses conventos
Em favor da preguiça edificados”

De boa construção, o Mosteiro não foi abaixo com o terramoto de 1755, ao contrário da maioria dos grandes edifícios da época que ficaram arrasados ou bastante danificados pelo sismo. Um desses edifícios caídos foi a Torre do Tombo, uma torre que pertencia à estrutura do Castelo de São Jorge e onde se guardavam os papéis mais importantes do reino. Sem sítio para guardar, proteger e conservar tantos documentos reais, o Mosteiro de São Bento foi escolhido como “Torre do Tombo” provisória.

O Mosteiro era tão grande que couberam lá, também, a Academia Militar de Lisboa, o Patriarcado de Lisboa e, ainda, o Cartório do Registo das Mercês. Ali também existiu, na mesma época, uma hospedaria exclusiva para bispos. Além da prisão que já mencionámos antes. No exterior havia um cemitério.

O tempo e a vontade dos homens tudo muda. As ordens religiosas foram extintas e o edifício esteve abandonado, decadente, ardeu e foi reconstruído e modificado várias vezes ao longo dos séculos, até ser aquilo que é hoje, a Assembleia da República. Já foi ali que reuniu o primeiro parlamento português, as Cortes Constituintes, em 1820. Aliás, o edifício passou a ser conhecido pelo Palácio das Cortes.

Salazar cobiçou o local e instalou-se no Palacete de São Bento, edifício mais pequeno localizado nos jardins do Palácio de São Bento. Nessa época, o palacete era propriedade privada. Mas Salazar queria tanto ficar ali a residir que mandou expropriar o casarão e os jardins e lá viveu até ao fim dos seus dias. Hoje, a casa é a Residência Oficial do primeiro-ministro, mas de facto ninguém lá reside. É um local de trabalho e protocolar, apenas.

Quanto ao Palácio de São Bento, é Monumento Nacional desde 2002 e guarda nas paredes centenárias uma notável memória da História portuguesa. É por lá que deambulam, entre outros, os espíritos de Hintze Ribeiro, Bernardino Machado, Afonso Costa, Natália Correia. Há quem diga que, de noite, ouve-se a voz da poeta a declamar:

“Almas bovinas acomodadas à matéria / Pastam na erva entre as ruínas da memória”

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