Lendo o código de ética do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), ficamos a saber que na sua interacção com a comunicação social, aquele deve “contribuir para a dignificação da imagem da administração pública, em especial” dele próprio, assim como “para o reforço da credibilidade e prestígio do mesmo”. Tomemos esta norma, apenas, como uma medida para reforçar a importância de tal incumbência, já que do Estado não se pode esperar outra coisa que não seja total transparência e equidade no seu relacionamento com os cidadãos e um enorme zelo na atribuição e controlo dos dinheiros públicos.
Embora deva ser assim, a verdade é que há casos – infelizmente com uma frequência que comprometem o próprio sistema democrático – em que tal não acontece, mas, ainda mais grave, outros há em que vemos o Estado a compactuar com a aldrabice. Sim, sublinhemos a ideia: essa entidade abstrata que comporta um vastíssimo conjunto de instituições a quem confiamos o dinheiro dos nossos impostos permite-se, por vezes, a ser condescendente com aqueles que o enganam da forma mais grosseira. É claro que para cuidar dos trapaceiros existem, em última instância, os tribunais. Assim a justiça funcione, muito embora a descrença quanto à sua eficácia não seja já passível de ser mitigada.
Vem isto a propósito da actuação do IEFP – motivo da referência inicial – quando se trata de aceder a informação relacionada com a forma como a Associação Comercial e Industrial de Barcelos (ACIB) aplicou milhões de euros por aquele atribuídos no âmbito de programas de formação profissional, entre outros. “Não estão reunidas as condições legais que habilitem este Instituto a facultar o pretendido acesso”, assim respondeu o IEFP ao pedido que lhe foi dirigido pelo nosso jornal para aceder ao relatório de uma auditoria de acompanhamento feita em 2016. Em sede de recurso para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), os serviços jurídicos do IEFP ainda haveriam de argumentar, pasme-se, que do referido documento “constam dados relativos à actividade da ACIB (…) que, pela sua natureza, não devem cair no escrutínio público, sob pena de serem indevidamente publicitados dados concernentes a aspectos que dizem respeito à ‘vida interna das empresas’”. Ou seja, por razões que somos levar a concluir serem insondáveis, o IEFP equipara uma entidade com estatuto de utilidade pública que é maioritariamente financiada por fundos comunitários com uma qualquer empresa privada, relativamente às quais, essas sim, o que lá se passa diz apenas respeito aos seus proprietários e trabalhadores. Aliás, é a CADA quem conclui que “não se considera aceitável a justificação apresentada” pelo IEFP para recusar “totalmente” o documento que lhe foi solicitado. A verdade é que o afã daquele Instituto para esconder a informação nele constante levá-lo-ia, depois que o facultou, a ocultar o nome de todas as pessoas e empresas ali identificados, assim como de todos os valores sempre que os mesmos possam ser associados àqueles. De resto, o IEFP nem sequer se coibiu se rasurar a identificação de membros dos órgãos sociais da ACIB em documentos que são de acesso público e generalizado.
Uma coisa é certa, as irregularidades ali apontadas são suficientemente graves para justificar a intervenção do Ministério Público. Terão as mesmas sido comunicadas? Não se sabe. Mas sabe-se que a negligência com que alguns processos envolvendo a ACIB têm vindo a ser tratados permitiu, por exemplo, que uma dívida superior a 50 mil euros levasse dois anos e meio a ser cobrada. Podemo-nos, pois, perguntar a quantas empresas e particulares concede o IEFP toda esta benevolência? O comum dos cidadãos saberá responder sem grandes hesitações…
Acresce que não é admissível que um organismo do Estado queira manter no anonimato nem os responsáveis pela gestão irregular e sistemática de dinheiros públicos nem aqueles que beneficiaram desses fundos pela apropriação ilegítima ou pela via de relações comerciais cuja contratação de serviços e bens é seriamente posta em causa pelo próprio IEFP. As provas estão aí, mas a insensatez parece ter-se apoderado deste organismo público e a tutela ministerial também dá sinais de não ser grande amiga da transparência e do escrutínio público. Um extenso questionário dirigido pelo Jornal de Barcelos (JB) ao chefe de gabinete do ministro Vieira da Silva jaz, há mais de um ano, sem resposta, num qualquer repositório dedicado a assuntos inconvenientes. Mas quando se apurar toda a verdade sobre as relações mais do que duvidosas entre a ACIB e um conjunto de empresas sobre as quais o nosso jornal voltará em breve a divulgar novos dados, oxalá Vieira da Silva possa garantir outra vez que, tal como no “caso” Raríssimas, está de “consciência tranquila”.
Na semana passada a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sujeitou o JB à publicação coerciva de um direito de resposta do presidente da Câmara de Barcelos. A ‘novidade’ está no facto de o novo Conselho Regulador da ERC, numa atitude perigosa e sem precedentes, ter recusado facultar a fundamentação – que não tinha, sequer, de lhe ser pedida – que sustenta a deliberação então tomada, alegando que a mesma “se encontra devidamente motivada, de facto e de direito, não se oferecendo nada mais a afirmar.”
Ora, o exercício de um poder de forma absoluta e arbitrária é despotismo, método que não se coaduna com os princípios de um Estado de direito como aquele em que vivemos. Tanto mais quando, numa outra queixa contra o jornal Público, apreciada no mesmo dia, o procedimento do Conselho Regulador não foi o mesmo. Por outro lado, também não se vislumbra como chegou a ERC a tal entendimento sem contradizer magnificamente deliberações anteriores assim como as instruções recentes dadas aos órgãos de comunicação social sobre aquela que deve ser a sua interpretação na análise de pedidos de direitos de resposta e de rectificação.
Mas, em rigor, a Direcção do JB desconhece as razões que levaram a ERC a tomar a decisão que tomou. E não está em causa o cumprimento do veredicto do regulador, ainda que dele discordemos, como discordamos e, por isso, publicámo-lo sob protesto. Mas, antes, a forma arrogante e discriminatória como ele nos foi imposto, fazendo o Conselho Regulador da ERC uso da circunstância das suas resoluções assumirem um carácter “soberano” e, como tal, outra solução não nos restasse senão a de publicar o direito de resposta.
Eis-nos, portanto, perante dois casos distintos na substância, mas iguais na forma. É este o estado do nosso Estado!…
(editorial publicado no Jornal de Barcelos em 21MAR2018)
Assunto atualizadíssimo e que infelizmente faz parte de do “chamado estado de direito” que , flui por todas as instituições inclusive o topo de piramide a justiça. Ou apenas existe para se servir a si própria. . . . Se ao menos esta ultima existisse ! . . .