Pão nosso de cada dia

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WhatsApp, Instagram, YouTube e teorias da conspiração. Quem convive com adolescentes todos os dias, sabe que é este o mundo em que muitos deles se movem. Passam horas a trocar mensagens que se reduzem a “ya” e “cenas”, devidamente ilustradas com memes, quanto menos palavras usarem, melhor. Em vez de meterem conversa com as miúdas da turma, enviam-lhes pedidos de amizade por IG e é por IG que conversam, possivelmente enviam nudes antes de darem um primeiro beijo. Jogam Playstation nas horas vagas e, nas horas de estudo, publicam vídeos no YouTube sobre os seus kills, ou compram skins para as personagens do Fortnite.

Quem convive com adolescentes todos os dias, provavelmente já se apercebeu de que têm cada vez mais dificuldade em concentrar-se. Enquanto fazem trabalhos de casa pelo Google classroom, têm duas ou três janelas abertas no computador e alternam entre elas: numa, os TPC da escola; noutra, o mais recente vídeo do seu youtuber preferido; e, numa terceira, a página de uma loja que vende material de PC gaming. Ao mesmo tempo, vão vendo o Instagram no telemóvel.

É difícil tirá-los do sofá, convencê-los a sair de casa para andar de bicicleta. É quase impossível persuadi-los a ler. Entusiasmam-se com teorias da conspiração que consomem no YouTube e falam como os Bolsonaros e os Trumps que todos vemos na televisão: a covid já nem sequer é uma gripezinha, porque não conhecem ninguém que tenha tido sintomas graves da doença, estamos todos paranóicos e a coartar-lhes a liberdade, só os velhos é que morrem.

Dir-me-ão que estou a generalizar, a exagerar, que sou pessimista. Que os miúdos não são todos assim. É claro que não são todos assim, e ainda bem, mas é com estes adolescentes que convivo, são estes adolescentes que todos os dias frequentam a minha casa. E todos os dias me aborreço com eles – ponham as máscaras! – e lhes mostro as notícias de vários canais estrangeiros, para perceberem que, se tudo isto é uma conspiração, é uma conspiração mundial, os cientistas e os governos do mundo inteiro pedem-nos cuidados.

Compreendo, portanto, a necessidade de confinamentos, encerramentos, recolher obrigatório. E compreendo as excepções aos encerramentos. Também preciso, como toda a gente, de comprar pão, comida para os gatos, medicamentos, vitaminas e, ontem, até precisei de uma loja de cosméticos aberta para comprar um batom vermelho.

O que não compreendo é o fecho das livrarias e bibliotecas e a proibição de venda de livros nos supermercados. Num país onde se lê tão pouco, onde se lê cada vez menos, onde a população não tem hábitos de leitura, onde tantos jovens têm um vocabulário empobrecido, onde tantos jovens não são capazes de interpretar o enunciado dos testes escolares, onde tantos jovens andam fascinados com discursos populistas e fascistas – porque não exigem capacidade de raciocínio e muito menos um conhecimento da História –, os livros deviam estar à venda em todos os lugares, nos correios, nas estações de metro, nos hipermercados, nas mercearias. Porque os livros são armas contra a ignorância, contra a mediocrização da linguagem e do pensamento, contra o ruído que nos bombardeia todos os dias. São armas contra o défice de atenção e a dependência dos ecrãs, uma nova pandemia que afecta as crianças e os jovens.

As livrarias e as bibliotecas são espaços de silêncio e recolhimento, espaços onde todos devíamos levar os nossos filhos, sobrinhos, alunos, nem que seja para eles pararem uns momentos, esquecerem os telemóveis e as notificações das redes sociais, e se concentrarem num parágrafo, numa ideia. Cabe-nos a nós, adultos, a missão de lhes enriquecer o mundo, as expectativas, a vida.

As livrarias e as bibliotecas são templos. Os livros são bens essenciais. 

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