Isabel do Carmo, 80 anos de idade, médica, esteve 10 dias internada nas enfermarias do Hospital de Santa Maria com diagnóstico covid-19. Sobreviveu para contar esta experiência, mais uma de uma vida cheia de emoções.
“No dia 24, juntámo-nos seis adultos e três crianças e, apesar das máscaras e das distâncias, alguma imprudência abriu por momentos a porta ao invisível. Contaminámo-nos todos e, fiados na falsa segurança do teste simples, alguns de nós multiplicaram o contágio.”
“E foi assim que ao décimo dia de febre e outras queixas o meu colega do Centro de Saúde me ordenou, e bem, que fosse à urgência covid. Se não tivesse ido tinha morrido” …
O relato prossegue com o calvário da sala de espera, a multidão de doentes, as ambulâncias. Até que, finalmente, lhe deram um cadeirão para se sentar e uma máscara de oxigénio para respirar.
“Desde esse momento fui sempre a senhora Isabel, idêntica a todos os outros e nunca, e bem, a médica da casa.”
O TAC e uma visão surpreendente: “os meus pulmões estavam infiltrados de alto a baixo e dos dois lados com múltiplos focos de inflamação, que não deixavam o oxigénio atravessar os alvéolos e passar para o sangue, onde ele é necessário à vida. Sintomas? Poucos.”
Foi um momento de aprendizagem, mais uma lição de medicina. Esta doença mata sem grandes exibicionismos, quase sem provocar dor. Assim têm morrido muitas pessoas, com poucos sintomas da doença. Assim morreu em 23 de janeiro, ali mesmo no Hospital de Santa Maria, o ex-cônjuge de Isabel e companheiro de lutas políticas, Carlos Antunes. Este coronavírus consegue ter algum humor negro.
Isabel reagiu melhor aos antibióticos, aos corticóides, safou-se. Isabel talvez não acredite em Deus, mas sempre acreditou nas pessoas. “Aquilo a que assisti de serenidade, de eficácia, de competência, ficará para sempre marcado como um momento muito alto da minha vida. Sei que as pessoas todas juntas não somam inteligências, multiplicam. É um fenómeno que faz parte da natureza humana, assim a humanidade sobreviveu.”
Isabel do Carmo trabalhou uma vida no Hospital de Santa Maria. Como médica ajudou a “construir” aquele hospital. Viu nascer enfermarias, lembra-se da inauguração da UCI. E agora diz que viu um “milagre” de “auto-organização, rápida, eficaz, criativa, serena.”
O relato prossegue com o reconhecimento de que o cansaço é um adversário quase tão poderoso quanto o coronavírus e que só o confinamento conseguirá evitar mortes inúteis. De gente que faz falta a alguém.
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