A força da verdade contra a táctica do medo e da mentira

"... a actuação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) chega a ser confrangedora, ora porque não se coíbe de adoptar atitudes preconceituosas e discricionárias, nuns casos, e de assobiar para o ar, noutros, corroborando com o seu silêncio práticas jornalísticas que são eticamente reprováveis."

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Há precisamente dois anos, o Jornal de Barcelos (JB) deu que falar em todo o país pela “coragem”, “valor”, “integridade”, “ética”, “profissionalismo” e um desfilar de outros adjectivos que só importam para contextualizar o que aqui se vai dizer. Tudo porque, depois de terem impedido os jornalistas de fazerem perguntas numa conferência de imprensa promovida pelo PS, saímos para as bancas com uma página em branco que fora reservada para aquele efeito e que, de resto, nos levou a adiar o fecho dessa mesma edição. Nada mais natural, porque é exactamente por esse constante “comer e calar” a que os jornalistas se sujeitam que a profissão perdeu a confiança dos portugueses e, pior ainda, o respeito daqueles que não podem deixar de ser escrutinados de perto, sob pena de estarmos a comprometer de forma séria o funcionamento pleno do Estado de Direito e, por conseguinte, o da própria Democracia.

Volvido este tempo, tanto quanto passou sobre a realização do 4.º Congresso dos Jornalistas – que reuniram (20 anos depois) sob o lema “afirmar o jornalismo” e no qual aprovaram, entre outras, uma proposta que defende o boicote a conferências de imprensa onde os profissionais da comunicação social não tenham direito a fazer perguntas -, o que mudou de cada um dos lados da barricada? Apesar do “papel dos jornalistas como contrapoder continuar a ser indispensável”, conforme defende, e bem, o sociólogo francês Dominique Wonton, eles “venderam a sua alma”. E, deste modo, o contrabalanço ao poder político, que tem custos e requer coragem e determinação, não passa de uma encenação constante porque, em rigor, o dinheiro e os mais variados interesses sobrepõem-se ao exercício livre e insubmisso da profissão. Todos sabem que o “rei vai nu”, mas se, por um lado, o corporativismo exacerbado impede de forma sistemática a classe de fazer uma introspecção que há muito se impõe; pelo outro, a falta de solidariedade entre jornalistas transforma momentos como aqueles em que é preciso deixar a página em branco em episódios de relevância nacional, como aconteceu. Um distinto responsável editorial escreveu então que “o JB teve a coragem que os nacionais não têm: não há perguntas não há notícias.” Mas, aqui, não se tratou de coragem, mas tão só de cumprir com uma das obrigações da profissão: “O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar.” Ora, enquanto estes comportamentos se mantiverem, tudo continuará como até aqui. Senão mesmo, pior!

Para equilibrar esta correlação de forças o Estado criou a figura do regulador, cuja missão, não sendo fácil, é crucial para que se cumpra o desígnio de informar com isenção e rigor e, de igual modo, se salvaguardem os direitos e liberdades fundamentais dos jornalistas. Todavia, neste capítulo, a actuação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) chega a ser confrangedora, ora porque não se coíbe de adoptar atitudes preconceituosas e discricionárias, nuns casos, e de assobiar para o ar, noutros, corroborando com o seu silêncio práticas jornalísticas que são eticamente reprováveis. Mas no caso do JB, as deliberações da ERC, que tem levado à publicação reiterada e coerciva de direitos de resposta da Câmara de Barcelos, distinguem-se pela estupenda falta de rigor e de sentido crítico na análise das situações. A ERC tem hoje um Conselho Regulador que não consegue mais do que impor uma interpretação obediente e facciosa da Lei de Imprensa; que é incapaz de fazer a distinção entre instituições e pessoas, ignorando que as entidades públicas estão necessariamente mais expostas à crítica pública; que ajuíza do mesmo modo a boa-fé e a falsidade; que se deixa ludibriar pelos mesmos a quem tolera práticas reiteradas de denegação do direito de acesso às fontes de informação; que prima pela incongruência e sobranceria. Enfim, que é incompetente porquanto não é sequer capaz de assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa, a primeira das atribuições inscrita nos seus estatutos.

No outro prato desta balança temos, então, o poder político que, em Barcelos, crendo-se impunes e dispensados de prestar contas aos munícipes, tem os seus agentes a tentar instituir a sua “política de cidadania”, de “rigor” e da “transparência” através de uma estratégia baseada no medo e na mentira. Quando as perguntas são embaraçosas, dos Paços do Concelho chegam-nos ameaças sórdidas e acusações que apenas comprovam a indigência e a falta de carácter de quem as faz. Noutros casos, as respostas são intencionalmente ambíguas e, noutros ainda, desprovidas de qualquer sentido ou credibilidade. Ocultam-se documentos. Sob o pretexto da difamação e da ofensa, usa-se o dinheiro que é de todos para tentar obter nos tribunais condenações baseadas em trapaças que, a acontecerem, mais não serviriam do que para alimentar o gáudio e o instinto de vingança dos seus autores. Com tais sentenças, assim o julgam, conseguiriam também o silêncio e a capitulação daqueles que não têm medo de procurar e tornar pública a verdade. Toda a verdade!

Podem, pois, uns e outros, ensaiarem os números de sapateado que entenderem porque, da nossa parte, tudo quanto podem esperar será sempre um combate sem tréguas pelo apuramento da verdade.

(editorial publicado no Jornal de Barcelos em 06FEV2019)

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