As chamadas de valor acrescentado que todos os canais de televisão utilizam são eticamente reprováveis e de legalidade duvidosa e, por isso, a Provedora de Justiça pediu ao Governo para proibir tal procedimento.
A recomendação da Provedoria foi feita no passado dia 19 de outubro mas, até agora, nada aconteceu, excepto o repúdio esperado por parte das empresas que têm concessão do serviço de televisão.
O que a Provedora alega é que os programas de televisão que recorrem a esse artifício para cobrar receitas extra à publicidade constituem-se numa modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar e que, como tal, compete ao Estado defender os interesses dos consumidores, o que não está acautelado neste caso.
A Provedora Maria Lúcia Amaral alega, ainda, que o recurso à chamada telefónica de valor acrescentado é em si mesmo uma ilegalidade, de acordo com a Lei do Jogo em vigor, que diz não ser permitido quaisquer modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar (como são estes concursos televisivos) que obriguem a qualquer dispêndio para o jogador que não seja o do custo normal de serviços públicos de telecomunicações. Isto é, a haver recurso ao telefone terá de ser ao custo normal, sem qualquer valor acrescentado.
A recomendação da provedora é bastante interessante, aborda ainda a questão do pagamento deste jogo ser feito em cartão de débito o que, segundo se lê, será igualmente ilegal face à Lei do Jogo vigente.
A Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, não vê outra saída para o Governo que não seja proibir os concursos da TV que usam números de telefone de custo acrescido. Mas SIC e TVI estão contra, como seria de esperar.
Em defesa dos seus proventos financeiros, a SIC e a TVI já vieram dizer que até angariam verbas para solidariedade nesses programas e com recurso a chamadas de valor acrescentado, mas não negaram o assédio constante que exercem sobre os telespectadores. Os canais de televisão dizem que o recurso às chamadas de valor acrescentado “tem implicações significativas na sustentabilidade económico-financeira” da sua atividade e, acrescentam, que não foram consultadas nem ouvidas pela Provedora. Mas será que teriam de ser ouvidas? Outro argumento é que os canais de televisão pagam impostos sobre essa receita, pelo que se o Governo seguir a recomendação da Provedora haverá uma quebra em receitas fiscais para o Estado. E aludem, ainda, à necessidade de viabilizar a actividade televisiva e de manter postos de trabalho, o que não deixa de ser uma espécie de pequena chantagem, mais emocional que outra coisa, porque essas empresas nunca hesitaram em despedir pessoal sempre que acharam que tinham de o fazer.
A verdade é que o recurso a este estratagema propicia, ainda, outros vícios para além da exploração dos telespectadores mais desprevenidos ou fragilizados.
Há notícia de viciação de concursos televisivos feitos com base no “voto” através das chamadas de valor acrescentado. Foi o caso do concurso “7 Maravilhas da Cultura Popular de Portugal”, em que a Câmara Municipal da Trofa investiu 75 mil euros em chamadas de valor acrescentado para vencer esse concurso. É um exemplo a partir do qual podemos extrapolar para todos os outros concursos que já foram realizados pelos canais de televisão, um dos quais até resultou na “eleição” de Salazar como “o maior português de sempre”. Uma aldrabice perigosa, neste caso.
A ideia das “7 Maravilhas” poderia ter sido uma nobre produção cultural da RTP mas, assim, resultou numa produção mercantil sem ética e sem uma clara supervisão. Na verdade, a ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social já veio dizer que “existem fortes indícios de acções enganosas e de práticas comerciais desleais” nos concursos televisivos de participação telefónica. Mas isto foi em 2015 e nada mudou, desde então.
Neste lamaçal, a RTP fica mal na fotografia e os canais privados também não se safam. A RTP, como prestadora de um serviço público, devia ter outras preocupações e privilegiar a ética e a qualidade. Os outros canais de televisão, SIC e TVI, beneficiam de uma concessão de utilização do espaço público pelo que têm igualmente obrigações de decência mínima a respeitar.
Gostei muito do texto, frontal e oportuno.
A Provedora da Justiça declara ilegalidade destes mecanismos, a necessidade de proibição de chamadas de valor acrescentado, o zelo do interesse dos cidadãos que cabe ao Estado, e fica tudo a mesma?…
Claro que os beneficiados reclamam, mas é imoral fazerem-no com argumentos falaciosos: maior receita para o estado…apoio a instituições de solidariedade…prevenção da sustentabilidade das próprias empresas e ameaça “subtil” de despedimentos? Ao que chegámos, se a própria televisão pública recorre aos mesmos mecanismos.