O sacana do Valdemar e Sua Excelência o Fernando

“Para os pobres é “dura lex, sed lex”. A lei é dura, mas é lei. Para os ricos é “dura lex, sed latex”. A lei é dura, mas estica.” Fernando Sabino

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O sacana do Valdemar Barros viu que a sua pequena empresa de construção civil se estava “a afundar em dívidas” e deixar de ser rentável depois da morte da sua mulher, em 2010, e de ter ficado a tomar conta, sozinho, de um filho pequeno. A esses problemas juntou o de se ter refugiado na droga depois de ter começado a namorar em 2014.

Sua Excelência o Professor Doutor Fernando Salvato Trigo, Reitor da Universidade Fernando Pessoa, conseguia tempo para integrar a Comissão Científica do Congresso da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, certamente para poder proporcionar, aos inspectores desta Instituição, conhecimentos científicos que os ajudassem no combate ao crime.

O sacana do Valdemar Barros, com a falência da sua empresa, a necessidade de garantir uma vida estável para o seu filho e ainda a obrigação de conseguir dinheiro para a droga, para si e sua namorada, começou a entrar “em confeitarias, cafés, pastelarias e restaurantes do norte do país e, enquanto simulava falar ao telemóvel, pedia sandes para levar e solicitava aos comerciantes para lhe trocar uma nota de cinquenta euros que nunca entregava, pondo-se depois em fuga num carro levando a nota, o troco e a mercadoria.”

Sua Excelência o Professor Doutor Fernando Salvato Trigo organizou, com a sociedade Erasmo, da sua mulher e dos dois filhos, diversos esquemas “para produzir elevadas quantias de dinheiro através da fundação que detém a universidade e, com base nesses planos, desviado mais de três milhões de euros”, como relata o Jornal i.

Segundo o Ministério Público, citado pelo jornal Público, era a sociedade Erasmo que recebia as rendas relativas ao aluguer das instalações pertencentes à Universidade Fernando Pessoa, como por exemplo a exploração de dois bares/cantinas da universidade. Todos os anos, as entidades que exploravam esses espaços entregaram mais de cinquenta mil euros à empresa liderada pela família de Salvato Trigo. Entre 2006 e 2010 foram totalizados cerca de 290 mil euros.

O sacana do Valdemar Barros fez tantas vezes a partida dos cinquenta euros que as televisões falavam dele diariamente até que, num dos cafés que “visitou”, ficou gravada, em vídeo, a sua jogada, para gáudio dos diversos canais televisivos que passaram, repetidamente, aquelas imagens. Dias depois, reconhecido num novo local, foi perseguido pela polícia, depois desta ter sido alertada, pelo dono da casa, e detido após se ter despistado com o carro onde seguiam, também, a namorada e o filho. E ficou em prisão preventiva até ao julgamento, já que trinta burlas, na ordem de cinquenta euros cada, sempre correspondiam a mil e quinhentos euros a que havia de se acrescentar o crime de fuga à polícia e o despiste.

Sua Excelência o Professor Doutor Fernando Salvato Trigo foi denunciado pelo Técnico Oficial de Contas da Universidade e ficou a aguardar julgamento com termo de identidade e residência atendendo à mesquinhez de três milhões de euros desviados da Faculdade que dirigia.

O sacana do Valdemar Barros, que não tinha antecedentes criminais, confessou parte dos factos, justificou-os com a necessidade de conseguir dinheiro para comprar droga e acrescentou que “nunca agredi nem magoei ninguém e fui sempre educado.” A presidente do colectivo de juízes afirmou que os factos foram “quase” todos dados como provados, desde a existência de um plano para a realização das burlas, a ida aos estabelecimentos comerciais, o modo como se apropriava do dinheiro, e a perseguição feita pela PSP que levou à sua detenção. “Estes tipos de crimes causam bastante alarme social e, infelizmente, são frequentes na sociedade”, disse para quem a quis ouvir na Sala deAudiências.

Sua Excelência o Professor Doutor Fernando Salvato Trigo era reincidente, já que, segundo o Observador, no final dos anos 90, fora condenado a dez meses de prisão pelo desvio de subsídios do Fundo Social Europeu, quando era director da Escola Superior de Jornalismo do Porto.

Em email dirigido aos professores, alunos e funcionários da Universidade Fernando Pessoa, afirmou ser “completamente falso que eu tenha alguma vez desviado fundos ou cometido qualquer outro crime e disso tem estado a ser feita prova documental e testemunhal no julgamento a decorrer. Infelizmente, o Ministério Público acreditou nas denúncias inteiramente falsas do ex-TOC que se deviam ao facto de ter sido demitido por mim com toda a justificação. Resolveu vingar-se e pôr em causa a minha administração da Fundação que ele, aliás, como membro também do seu Conselho Fiscal, sempre aprovou com louvores exarados em livro de actas”.

Não posso escrever sobre o que se passou no julgamento do Senhor Reitor porque o Tribunal deliberou que o Julgamento decorresse à porta fechada. Como bem se escrevia no jornal Público: “Apesar de por norma os julgamentos serem públicos, neste caso a defesa invocou que a presença de audiência ou jornalistas na sala poderia pôr em causa o prestígio do arguido e o juiz aceitou a argumentação” alegando que, “para além dos danos para a instituição, um julgamento normal, ou seja, público, poderia acarretar danos para o prestígio de Salvato Trigo, uma personalidade de reconhecido mérito e prestígio no meio universitário nacional e internacional, até porque, considera ainda a defesa, a acusação é um atentado à sua honorabilidade profissional e pessoal, bem como ao seu bom nome”. Apesar deste tratamento diferenciado, no fim fez-se “justiça à portuguesa”:

O sacana do Valdemar Barros, perigosíssimo meliante que arrecadou, indevidamente, cerca de mil e quinhentos euros, foi condenado a oito anos de prisão efectiva, por cerca de 30 burlas com notas de cinquenta euros (houve várias vítimas a desistir da queixa), e ficou, ainda, obrigado ao pagamento de uma multa, também de cinquenta euros, e a dois anos de inibição de conduzir.

Sua Excelência o Professor Doutor Fernando Salvato Trigo, por ter feito aquela “transferência” de três milhões de euros da Faculdade que dirigia para a empresa da mulher e filhos, foi condenado a uma pena suspensa de três anos e três meses de prisão por “desvio de dinheiro.” É a diferença habitual entre roubo e desvio. É a diferença habitual entre sacanas e excelências.

O sacana do Valdemar deve estar, neste momento, e vai estar durante oito anos, a dormir numa camarata com mais uma dúzia de desgraçados, comendo miseravelmente, trabalhando (se conseguir) em troca de dois euros diários e com a possibilidade de fazer um telefonema diário, de cinco minutos, para o filho. Roubou… paga! Nada mais justo.

Sua Excelência o Professor Doutor Fernando Salvato Trigo, atendendo ao facto de ser “uma personalidade de reconhecido mérito e prestígio no meio universitário nacional e internacional”, deverá continuar a dar lições aos inspectores da Polícia Judiciária. Não será pelo facto de a Acusação ter conseguido provar o crime, e levado à sua condenação, que ele deixará de ter o direito à “sua honorabilidade profissional e pessoal, bem como ao seu bom nome”.

Uma espantosa demonstração da lucidez dos nossos juízes. Agora vou só ali vomitar e já volto!

(Crónica do livro “Frasco de Veneno – Dose Final” à venda em 10 de Dezembro.)

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