O convite de Greta Thunberg

1
1625

Há cinco anos não havia Covid-19, mas, ainda no rescaldo dos atentados terroristas de 13 de novembro em Paris, a manifestação por um acordo na vigésima primeira Conferência das partes à Convenção-quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP21) teve de ser assim, numa praça vazia: sapatos, portadores de mensagens sobre o que estamos fazer ao sistema climático com a emissão de quantidades excessivas de gases com efeito de estufa (GEE) para a atmosfera, e apelos à ação.

A COP21 acabou por aprovar um acordo considerado histórico e parecia que a ação urgente, que cidadãos e organizações ambientalistas reclamavam, ia finalmente começar. Mas cinco anos depois de se ter chegado a acordo em Paris, as emissões não diminuíram, nem sequer estabilizaram, e a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera terrestre continua a aumentar e é agora, sabemo-lo pela análise de núcleos de gelo, maior do que a registada na Terra, pelo menos nos últimos 800.000 anos.

O fosso entre as promessas dos países e a prática das políticas efetivamente implementadas é enorme.

Os cientistas que estudam o clima têm alertado que um aparente pequeno aumento na temperatura média global (1,5o C a 2 o C) é suficiente para causar graves perturbações no sistema climático, desde logo o aumento da frequência de ciclones tropicais, eventos extremos, secas e inundações, degelo e aumento do nível médio das águas do mar.

Quem dê atenção à ciência, tem a consciência de que estamos a permitir que os riscos aumentem, a colocar-nos em perigo e, sobretudo, a colocar em perigo as populações mais pobres e vulneráveis e as gerações dos nossos filhos e netos. Num mundo já extremamente desigual, eventos meteorológicos extremos e outras catástrofes ambientais irão agravar ainda mais as desigualdades.

Esta semana, Greta Thunberg fez-nos um convite em forma de desafio – sermos nós a solução. Para tal precisamos de ser mais exigentes connosco próprios e com os líderes que elegemos. Precisamos de querer saber mais e de não arranjar desculpas. Porque, para se fazer a transformação que é urgente, são precisas políticas públicas, mas é essencial o envolvimento dos cidadãos.

Precisamos de muito menos automóveis a circular, geração de energia de fontes renováveis, edifícios não só energeticamente mais eficientes, mas também globalmente menos consumidores de energia, dietas com menos carne, menos desperdício alimentar, menos produção de resíduos, e mais áreas naturais saudáveis, árvores, muitas mais árvores, prados biodiversos, e pradarias marinhas, que atuam como sumidouros de CO2

Precisamos de pôr cobro a subsídios imorais aos combustíveis fósseis. Precisamos de Governos nacionais e locais verdadeiramente empenhados em ser neutros em carbono e a agir em conformidade, e não apenas subscritores de compromissos.

Precisamos também de programas de educação nas escolas e de sensibilização da sociedade em geral para a urgência de agir, para procurarmos restabelecer o equilíbrio possível.

Podemos ver este problema de muitos prismas, mas ele é também uma questão moral. E moralmente temos a obrigação de apoiar e ser parte, não de uma mera transição energética, mas de uma mudança mais ampla.

Além de mudanças nas políticas e nas práticas, precisamos também de mudanças ao nível da nossa forma de pensar. Desde logo, pensar que futuro queremos, e o que é verdadeiramente importante nas nossas vidas? As respostas podem ser diferentes – a diversidade de opiniões e de visões do mundo só o enriquece. Mas, possivelmente, a maioria das respostas passarão (por esta ordem ou por outras) por alimentação, saúde, educação, habitação, apoio familiar, amigos, participação na vida coletiva.

Um carro novo, mais um telemóvel, mais uma viagem de avião, mais uma camisola, mais uma bugiganga para a casa não estarão no topo das prioridades. Contudo, no quotidiano vivemos como se estivessem. Vivemos aprisionados nos mitos do crescimento ilimitado e do consumo-felicidade. Como se os recursos naturais fossem ilimitados e como se o nosso bem-estar dependesse da quantidade de coisas que compramos.

Se quisermos um futuro mais justo e equilibrado, temos de abdicar mais vezes de consumir o que não nos faz realmente falta. Há quem lhe chame sacrifício. Para outros é uma libertação. Porquê usar sempre o carro, quando podemos usar os transportes públicos, ou ir de bicicleta ou a pé? Porquê comer todos os dias carne, quando, nem que seja uma vez por semana, podemos fazer refeições vegetarianas? Porquê comprar mais um par de sapatos quando temos o armário cheio? 

Podemos ignorar o convite de Greta. Podemos considerar que temos direito a todos os pequenos luxos que nos apetecer. Podemos não abrir mão de nada e permitir que tudo fique na mesma. Podemos considerar que o mundo é um lugar injusto e que não há nada a fazer. Mas não teremos nós o dever de cooperar nesta transformação, não apenas para com as gerações futuras, mas para com os milhares de milhões de pessoas, novas e velhas, que habitam a Terra connosco neste momento e que vivem em muitíssimo piores condições que nós?

1 COMENTÁRIO

  1. Pois, mas quando em Oeiras, as pessoas pensaram que um viaduto ia ser a solução para os eternos engarrafamentos e afinal não,como aliás já se sabia, as pessoas passaram a culpar do facto de se ter construído um passeio partilhado com bicicletas por se ter retirado uma via, em contra-partida de mais 4… Como vai esta gente mudar o seu paradigma de consumo se continuam a exigir que os poderes locais criem mais vias e mais estacionamento pondo estas exigências no topo das necessidades locais? Mas grave é que esta situação não se circunscreve a Oeiras. Basta qualquer autarquia fazer uma pequena transformação que se pareça com uma ciclovia, que chovem os insultos e o achar que é um desperdício de dinheiro públicos…

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui