O Celibato e a Maria

“Achamos que os padres também devem casar. Não há nenhum motivo para que conservem o privilégio do celibato.” Millôr Fernandes

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1847

Ao contrário do que muitos pensam, católicos praticantes inclusive, o celibato sacerdotal é uma disciplina que a Igreja segue desde a sua origem (ou seja, desde a época apostólica) não sendo, por isso, “uma invenção medieval do Concílio de Latrão”, nem se tendo iniciado com o Concílio de Trento. Há, também, quem confunda castidade com celibato mas o padre Ângelo Bellon é claro na explicação das diferenças:

“Existe uma diferença muito grande entre castidade e celibato. A castidade é a virtude que protege o amor do egoísmo e o ajuda a ser puro. Sendo assim, todos têm necessidade da castidade, pois a tentação de voltar-se para si mesmo é contínua. Para a Igreja, a castidade é sinônimo de pureza no amor. Quando a Igreja fala de celibato, refere-se ao celibato sacerdotal. Isso significa manter o próprio coração indiviso para estar unido ao Senhor sem distrações e para amar a todos com total dedicação. A castidade é uma virtude que diz respeito a todos, porque todos têm necessidade de amar de maneira autêntica. Já o celibato é uma forma particular de ser casto; é uma espécie de virgindade permanente, porque a pessoa se abstém do casamento e do exercício da sexualidade por motivos mais altos: para estar unida ao Senhor sem distrações e por uma maternidade e paternidade mais amplas e espirituais.”

Posto isto, um leigo pensaria que um padre, que não cumpra este voto, poderia ser punido severamente ao ponto de ser expulso do sacerdócio. O biblista e teólogo Frei Fernando Ventura – Diário de Notícias de 7 de Novembro de 2017 – contudo, tem opinião diferente:

“Há um entendimento generalizado de que a violação do celibato não é causa suficiente para expulsar padres do sacerdócio e os casos são decididos individualmente. Há teólogos a defender fim do celibato obrigatório. Há, em Portugal – e no mundo – padres que tiveram filhos, assumiram legalmente essa paternidade e continuam à frente das suas paróquias. O direito canónico não impõe ordem de expulsão (ou redução ao estado laical) a quem violou o voto de celibato e tudo se resolve no quadro de diálogo, bom senso e tendo em conta o superior interesse da criança.” E é sobre esta última frase que quero escrever hoje.

Segundo o “Correio da Manhã”, de 7 de Abril de 2018, o padre José Júlio de Almeida assumiu a paternidade de uma menina, a Maria. Ao que parece, o padre ter-se-á apaixonado por uma jovem paroquiana, catequista, em Ribeiradio, no concelho de Oliveira de Frades, onde foi pároco durante nove anos. A jovem, educadora numa escola de Viseu, é, segundo as pessoas da terra, de “boas famílias” e “não parava nos cafés”.

A 26 de Março nasceu, fruto desse amor, a Maria. O caso, obviamente, foi notícia na terra e, contrariando a ideia de que as pessoas do interior profundo são conservadoras, a verdade é que, na generalidade, aceitaram o caso sem problemas. O jornal ouviu, entre outras, duas pessoas. Um homem com 68 anos que garantiu: “Enquanto aqui esteve foi um excelente padre. Não tenho nada a dizer dele. Teve uma filha e decidiu assumir e acho que fez bem”, e uma mulher de 86 que foi mais longe: “Não tenho nada de mal a dizer dele e acho bem que os padres se casem. São homens como os outros”.

Obviamente que o caso teria de ser analisado pelos responsáveis máximos da Igreja e fiquei curioso em saber como se comportariam os bispos perante este caso. Li o que escreveu o padre Anselmo Borges, no Diário de Notícias de 16 de Fevereiro de 2018, e fiquei convencido de que o caso teria um final feliz. Escreveu ele:

“O recente documento da Conferência Episcopal Irlandesa, que Francisco quer estender a toda a Igreja, estabelecendo que os padres devem, como qualquer outro pai, assumir as suas responsabilidades, colocando os interesses da criança em primeiro lugar, com todas as consequências: afectivas, legais, morais, financeiras. É inaceitável que os filhos dos padres continuem a ser “sobrinhos” ou “afilhados”. As crianças têm direito à sua identidade e a mãe não pode ficar sozinha e excluída. Se a Igreja prega os direitos humanos aos outros, tem de praticá-los em primeiro lugar no seu próprio seio. Ter sido pai não deve implicar automaticamente o abandono do sacerdócio. A questão deve ser dialogada entre o padre, o bispo, a mãe e a comunidade a que o padre preside. Se quiser casar-se, deverá seguir o seu caminho, abandonando.”

O padre Júlio Almeida, depois de reunir com o seu bispo, D. Ilídio Leandro, tomou conhecimento das condições em que podia prosseguir a ser padre nas freguesias de Candal, Santa Cruz da Trapa e S. Cristóvão de Lafões. E aceitou-as! Prometeu ter, de futuro, “uma vida casta” e não se relacionar com a mãe da menina embora a possa acompanha “à distância”.

Provavelmente passará, também, a dar conselhos matrimoniais e a explicar aos seus paroquianos, como o bispo deve fazer ainda com mais ênfase, o que são “os superiores interesses das crianças”. De todas as crianças menos da sua filha. Maior exemplo de hipocrisia, não conheço. A única boa notícia, em toda esta história, é que a Maria vai viver longe deste homem que, felizmente para ela, nunca será o seu pai.

(in “FRASCO DE VENENO – Dose Final”)

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