É inaceitável o despedimento do médico legista que sinalizou à PJ o homicídio do cidadão ucraniano no SEF. Mas é uma prática antiga. O Instituto de Medicina Legal devia levar o mesmo caminho do SEF.
Em 1978, entrevistei para o jornal A Luta Francisco Queirós, médico do Instituto de Medicina Legal de Lisboa. Queixava-se dos frigoríficos parados durante meses e dos cadáveres a apodrecerem. Eram largas dezenas. As autópsias tornavam-se difíceis com aquela podridão, nos dois pisos da morgue.
Um velho ajudante de autópsias gabou-se de fazer boquilhas com ossos e falou-me de um fantasma. Ali na entrada norte do Hospital de S. José, onde José Sombreireiro haveria de autopsiar Sá Carneiro em Dezembro de 1980. Também Sombreireiro se queixou durante muitos anos.
Queirós safou-se de ser despedido por intervenção de Raúl Rego. Sombreireiro foi-se safando pela política. Mas o fantasma continuou sempre a atazanar o trabalho dos médicos legistas, pressionava até nas perícias psicológicas. Há meses, levou ao afastamento de psicólogos, de forma pouco clara. Mais uma vez.
Queirós é hoje um homem justo, Sombreireiro com as suas gigantescas olheiras negras morreu de pneumonia em 2007. Internado num lar. Calou-se aos 74 anos, nunca falou o muito que sabia.
As instalações de Lisboa são soturnas, com cabeças de enforcados, órgãos dentro de frascos gigantes em longos corredores em prateleiras. E o fantasma continua lá. O médico cumpridor foi despedido. Alegadamente escreveu, com outro, um artigo científico não autorizado. Pergunto: a que família de poderosos pertence o fantasma que, há anos, nos atira areia para os olhos?