A alcunha da tropa foi “Sintra”. Ter uma alcunha é da praxe e muitos eram conhecidos pelo nome da terra onde tinham nascido.
Joaquim “Sintra” Sequeira aprendeu o ofício de canalizador na tropa. Foi em Tancos, na Escola Prática de Engenharia. Mas ele nem sonhava que na guerra os canalizadores fazem muita falta. Em 1965 chegou ao pior sítio para se estar na guerra colonial: a Guiné.
Sequeira ainda ficou uns tempos em Bissau, a remodelar as casas de banho do Hospital Militar. Mas havia muitos quartéis na Guiné que nem casa de banho tinham. E lá foi ele resolver o assunto nos quartéis de Mansoa, Binta, Mansabá, Farim, K3, entre muitos outros que a memória não guardou.
“Fiz 22 anos em março de 66 no mato”, conta-nos Joaquim. Era costume, em ocasiões de celebração, deixar os soldados ir receber a correspondência da família em Bissau. O seu pai costumava enviar “umas garrafitas de vinho, umas postas de bacalhau e um ou outro chouriço”. Chega ao aquartelamento e encontra-se com o Sargento de uma companhia recém-chegada que precisava urgentemente de água nos lavabos. Ir tomar banho era cada vez mais perigoso devido à distância ainda considerável que separava os soldados do rio mais próximo. O tempo que se perdia para garantir segurança nas picadas e o risco que se corria em ser morto no caminho ou durante o banho no rio, tornavam a higiene muito complicada. O quartel precisava urgentemente de água corrente e, depois de um serviço bem feito, deram-lhe o prémio de voltar de avioneta para Farim, no norte, perto da fronteira com o Senegal.
À chegada a Farim encontrou no bolso uma nota de 100 escudos. Mais tarde descobriu que tinha sido o Sargento Joaquim Lageira, homem “honroso e amigo dos seus homens”, como agradecimento pela casa de banho construída no aquartelamento.
A guerra na Guiné foi muito difícil para a tropa portuguesa. “As estradas eram armadilhadas com bombas e eles estavam armados com Kalashnikov, uma arma de cadência superior à nossa G-3.” Dos que morreram, lembra com tristeza o “Chico Buca”, como era conhecido. Buca tinha acabado de chegar e morreu na primeira “batida” que o pelotão fez nas redondezas do quartel. Pisou uma mina e ficou lá enterrado em Farim. Na mesma ocasião, um outro morreu com um ataque de coração.
Convencido que os territórios dominados pelos Portugueses eram na verdade “províncias Ultramarinas” afirma ter ido defender uma região que era tanto nossa como a Madeira.
“Trabalhámos, sofremos e morremos”, é a síntese que o “Sintra” faz da guerra na Guiné. A sua mãe fê-lo prometer que enviava fotos com regularidade. As pernas e os braços tinham de estar visíveis, para ela ter a certeza de que o filho continuava inteiro. Aquela guerra não ficou só no mato, chegou às casas dos soldados nem que fosse na mais recôndita aldeia de Portugal.
RB/CN