Deveriamos estar a celebrar as conquistas que a ciência alcançou, alicerçada na colaboração entre a indústria farmacêutica, universidades, centros de investigação e governos. Uma celebração contida, porque estamos ainda longe de ultrapassar a crise pandémica onde nos encontramos, mas clara, porque as nossas vidas são tocadas de forma indelével pelo desenvolvimento científico.
Em vez disso, parece que nos preocupamos mais com os desafios logísticos das temperaturas de transporte das vacinas ou de estabelecer com rankings de eficácia dos dados preliminares dos programas clínicos de desenvolvimento.
Este é um tempo de ameaças, de populismo, de preconceito nacionalista e de negacionismos vários. A resposta terá de residir no conhecimento, no rigor e na ciência, e não da especulação ou nos tudólogos que pululam o espaço mediático.
Estamos perante um vírus que terá uma letalidade superior à gripe sazonal, que é transmitido com bastante eficiência e que pode ser transmitido por pessoas que estão levemente doentes ou mesmo pré-sintomáticas.
O surto deste novo coronavírus foi identificado em Dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, na China, foi considerado no final de janeiro de 2020 como uma emergência de saúde pública de interesse internacional, e uma pandemia no ínicio de março, pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Primeira conquista da ciência, em 11 de janeiro de 2020, cientistas chineses publicavam e compartilhavam com o mundo o código genético completo do novo coronavírus.
Em novembro de 2020, Pfizer/ BioNTech, Moderna e Oxford/AstraZeneca apresentavam resultados altamente positivos das suas vacinas, e em tempo recorde! Segunda grande conquista da ciência e da indústria farmacêutica.
Para que tenhamos uma perspectiva do que foi conseguido, até hoje a vacina mais rápida a chegar ao mercado tinha tido um período de desenvolvimento de 4 anos. Estamos a comparar com períodos de 10 meses e sem que a segurança tenha sido sacrificada. Pelo contrário, o esforço científico e financeiro sem paralelo, encontrou uma resposta tremenda de uma multidão de voluntários dispostos a participar nos mega ensaios clínicos realizados.
A pior coisa que podemos fazer é começar a discutir os dados de eficácia, ainda incompletos, no mesmo registo com que abordamos resultados de futebol. Há uma incerteza natural nos dados de efectividade (eficácia no mundo real) e um ainda longo caminho a percorrer até termos informação completa, analisada, revista e publicada. Mas, todos os dados que conhecemos, permitem ter bastante confiança no futuro e considerar como sucessos as abordagens que primeiro chegarão aos mercados altamente regulados, europeu e norte-americano.
Já ouvimos comentários sobre a necessidade de ter aviões e camiões de ultrafrio para transportar centenas de milhões de doses de vacinas. Não são correctos. A vacina da Pfizer/ BioNTech é colocada em contentores de congelamento hermeticamente fechados, que podem ser transportados mesmo em camiões não refrigerados. Não precisam ficar congeladas até o momento da inoculação, podem ser mantidas num frigorífico normal (entre 2 – 8 graus), até cinco dias, para administração.
O processo exige preparação e planeamento, mas não é na logística de transporte que reside o desafio, mas na logística de administração, assegurando inoculações sem doses perdidas. O sistema de saúde terá de estar, e estará seguramente, preparado para o processo de vacinação.
Além disso, os países, incluindo Portugal, não compraram apenas um tipo de vacina. A vacina de Oxford, por exemplo, publicou bons dados de segurança, resultantes da observação de largos milhares de voluntários que participaram nos ensaios clínicos, e apresentou evidências de que pode reduzir a transmissão do vírus a partir de uma redução observada em infecções assintomáticas. Pelas suas características, é fácil de transportar, armazenar e de administrar, com recurso à logística existente nos sistemas de saúde.
O processo é longo, não significa que não poderão aparecer problemas no futuro, mas isso é verdade para todos os medicamentos ou vacinas que já foram desenvolvidos.
A corrida pela descoberta de uma vacina, embora muito importante, não pode constituir-se como o único desafio que temos pela frente, particularmente no caso de Portugal.
A indústria farmacêutica tem potencial para, num contexto de crise sanitária e económica, impulsionar a competitividade e o crescimento da UE. É a indústria com o maior valor adicionado por pessoa empregada, e com a maior proporção de investimentos em investigação e desenvolvimento relativamente às suas vendas líquidas.
No relançamento económico, terão de ser implementadas políticas públicas para estimular o investimento, criar um enquadramento político e económico “amigo” da competitividade, mas fazendo escolhas claras. Este é o tempo para definitivamente conduzir Portugal à primeira liga do desenvolvimento e da produção farmacêutica. Sem um forte crescimento económico, será impossível responder a todos os desafios colocados ao país. A aposta na indústria farmacêutica permite reduzir a dependência externa, melhora as condições de saúde e o bem-estar dos cidadãos, ao mesmo tempo que permite um forte crescimento da exportação de bens de elevado valor acrescentado.
Sabemos que as exportações de produtos farmacêuticos da UE são influenciadas pelo tamanho do sector de saúde do país de origem e por isso teremos de resolver questões relacionadas com os custos de contexto e a dimensão do mercado nacional. Teremos de dar respostas aos temas relacionados com a ligação entre a indústria e o sistema científico, identificando tendências de inovação relevantes, desenvolvendo consórcios no seio da indústria nacional que possibilitem a aposta no crescimento industrial e no desenvolvimento de projectos inovadores.
Se assim for, no pós-covid, estaremos a celebrar o contributo da ciência em geral, mas também a celebrar a aposta definitiva na economia do conhecimento, na inovação de produto e de processo, orientados para aumentos significativos da produção de bens transaccionáveis, relevantes para o desenvolvimento do país.