Tens um cigarro, pá?

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Ele estava embasbacado nas prateleiras do Continente, como se fossem as montras da Avenida Guerra Junqueiro, em Lisboa.

“Não compro, só vejo, pá!” – confidenciou-me esse meu amigo, com a vida virada do avesso, por causa do Covid-19. Admirei-me por ver uma garrafa de bagaço no seu cesto. “E também levo batatas, arroz e pão. Não levo carne. Tornei-me vegetariano à força. Agora só como latas de atum”.

E eu emudeci, porque me ocorreram as suas festas com gin de boa marca, licor Beirão e vinhos de topo. Tudo à discrição. E porque ele era bom a escrever, lembrei também de Truman Capote e da sua “Boneca de Luxo” (Breakfast at Tiffany’s com Audrey Hepburn). Holly Golightly sonhava com palcos e casamento. E era feliz a deambular pela Tiffany.

Ele adivinhou. “Eu sempre trabalhei, mas no duro. O Covid-19 arrasou a empresa e acabou-me com a família. Tens um cigarro, pá?”

Ainda lhe quis explicar que o Truman nasceu pobre. E que a América lhe passou por cima. E que ele venceu. Mas isso é na América, onde se nasce e renasce várias vezes. Mas onde também se morre à porta de um hospital, quando não se tem um seguro.

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