Numa breve passagem de olhos pelas notícias sobre o Viaduto da Quinta da Fonte, em Oeiras, que custou dois milhões de euros, vemos títulos como “alivia trânsito em Oeiras” ou “melhora trânsito”. A verdade é que tudo o que seja obras para melhorar o escoamento do trânsito, naquele e nos outros principais dois parques empresariais do concelho (Lagoas Park e Tagus Park) é bem-vindo. Nada contra. Porém, o entusiasmo desta obra, chamada pelo autarca oeirense Isaltino Morais de “verdadeira revolução viária” (como consta no portal Olhares de Lisboa, num artigo datado de 2 de Outubro deste ano), bem como o entusiasmo que rodeia as obras paralelas (o famoso dístico Oeiras Valley em letras grandes que se pode observar num dos lados do viaduto e a ciclovia que vai fazer parte do viaduto são dois exemplos) escondem outros problemas. A promessa “menos trânsito, mais mobilidade” pode afinal ser mais complexa de cumprir do que seria desejável para todos.
A julgar pela foto anexa, tirada num dia de semana antes das 08h45, ou toda a gente se lembrou de chegar a essa hora (pouco antes de entrar ao serviço às nove horas da manhã, como é apanágio de boa parte das empresas) ou então algo misterioso aconteceu, porque a premissa acima mencionada dificilmente se pode cumprir, ainda mais quando não há alternativa de escoamento para evitar entupir a A5. E falta saber como será, uma vez concluída a ciclovia, a convivência que se deseja pacífica entre ciclistas e automobilistas.
Estará a faltar aqui alguma coisa? E os utilizadores de transportes públicos que também andam a pé? Lembraram-se deles? Ou será que, como dizia uma amiga minha ao ouvir os meus desabafos, o peão é uma espécie em vias de extinção?
Quem utiliza os transportes públicos, porque não tem viatura própria (por várias razões que os leitores saberão), por vezes enfrenta desafios valentes. Por exemplo, utilizo dois transportes públicos para ir para o meu emprego na Quinta da Fonte: comboio e autocarro. Escuso de dissertar sobre a desagradável disparidade de horários nas conexões intra-transportes, que levam uma pessoa a perder até um máximo de trinta minutos diários só de esperar pelo conjunto destes transportes; nem sequer da supressão de horários das carreiras de autocarros, que deveriam pelo menos ser anunciadas com o mínimo de antecedência, por respeito a quem tem de se levantar antes de cantar o galo para chegar a tempo ao trabalho; nem tão-pouco vou falar dos transtornos causados pelo trânsito congestionado cujas origens podem ir de uma obra na via pública até ao clássico “hoje chove a potes e tudo se lembrou de trazer o carro”. Nem vou contestar a periodicidade desses transportes, que por si só daria um artigo inteiro. Isso fica para mais tarde.
A partir do momento em que a prioridade são os automóveis e não as pessoas em geral (incluindo nesse grupo quem anda de transportes públicos), a vida fica difícil para este mini-grupo da população. Veja-se o caso das obras. Quem estivesse menos informado, como eu estava, do projecto da dita ciclovia que também abrange a Estrada de Paço de Arcos e a Quinta do Torneiro, viu de um dia para o outro a paragem de autocarro deslocada para o outro lado da rotunda, e o passeio esventrado; ora, para minha ainda maior estranheza, as obras nesse passeio estiveram paradas cerca de um mês. O que já era difícil tornou-se bastante complicado. Nesse período choveu de forma copiosa durante uns dias, transformando as obras paradas num lago. O que significa que mesmo para quem está equipado com o melhor par de galochas, ou vai para a berma da estrada e arrisca-se a ser alvo dos protestos dos carros que circulam (por vezes em alta velocidade) ou pior. Lá se retomaram as obras, mas não todos os dias, como constatei no passado dia 16 de Outubro, onde voltaram a parar.
Com o viaduto, os autocarros que circulam naquela zona tiveram de alterar o percurso. Agora dão uma volta bastante grande, durante a qual o trânsito flui de forma positiva, passando pelo tal dístico gigante em azul que diz Oeiras Valley (nada contra as aspirações de internacionalização, mas gosto mais da palavra portuguesa, “vale”) e a Rotunda do Cabeço do Gato, cujos canteiros de plantas geometricamente desenhadas lhe valeu a alcunha de “prato de arroz doce” nas redes sociais. Chegados à descida para a dita rotunda da Estrada de Paço de Arcos, o desejado fluir do trânsito fica por isso mesmo: pelo desejo. E quem desce na nova paragem de autocarros, se trabalhar num dos edifícios que fica no outro extremo do pólo empresarial, tem de andar mais uns minutos porque agora o percurso inclui atravessar a ponte pedonal. Num registo mais irónico, é exercício físico extra de graça para quem se desloca para o trabalho, o que não vai agradar com certeza aos ginásios existentes naquele sítio…
Boa tentativa, senhores das obras públicas da autarquia oeirense. Da próxima vez, por favor, façam mais trabalho de campo. Experimentem sair dos gabinetes e do carro com motorista, experimentem uns dias andar de transportes públicos e ver os circuitos que afinal não foram tão descongestionados de trânsito. Vejam com mais atenção as reivindicações dos habitantes das freguesias que se dizem esquecidas para tirarem as vossas conclusões. Ou melhor ainda, experimentem andar a pé pelos passeios que (ainda) existem.