Liberdade, Igualdade e…

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Andamos ainda a lutar pela igualdade entre sexos, orientações sexuais, cor de pele, pela dignidade que todos merecemos desde o minuto em que nascemos. E, cada vez mais, os discursos de ódio e incentivo à violência ganham força. Desmesuradamente. Todos os dias um energúmeno qualquer tem liberdade e eco para defender a esterilização, amputação, expulsão, morte, argumentos dantescos que se resumem à supremacia de um ser humano sobre outro. Mas, quanto maior é a trumpalhada do discurso, maior é o seu alcance e cegueira.

Os ditadores aparecem que nem cogumelos e todos, directa ou indirectamente, lhes prestamos vassalagem. Ficamos muito indignados, metemos as mãos à cabeça, depois espelhamos a nossa indignidade nas redes sociais. Temos muitos princípios que não passam disso mesmo, intenções que vão direitinhas para o inferno. 

Por cada pessoa que desperdiça comida, duas passam fome. A lista de desigualdades é interminável, a desproporcionalidade gigantesca e todos ajudamos a aumentá-la. Todos assistimos a desgraças e atrocidades contra a humanidade nos media, na tv em particular, e a seguir perguntamos qual é a sobremesa. Cada vez mais o jornalismo se vai tornando num negócio. O jornalismo é a nossa maior arma. É e devia ser sempre um contrapoder.

Há guerras, algumas tão próximas, mas afinal tão longe, nunca chegarão aqui, nunca nos irão beliscar, afinal temos imunidade a essas tragédias. São as guerras dos outros. São?

Não, não sou uma grande lutadora contra o sistema, refugio-me no meu pequeno mundo. Por outro lado, é aqui que posso fazer qualquer coisa, no meu passeio, até ao fim da rua. Fecho os olhos a muita coisa, a muita gente, mas também não desvio o olhar a tudo e a toda a gente. Se todos os dias fizermos um pequeno gesto, um subtil acto de amor, de fraternidade e tolerância, alguma coisa há-de mudar em muitos passeios e ruas. É aí que se ganha força, é pela união popular que se chega ao poder invisível.

Acreditei piamente que este maldito vírus, tão democrático, ia fazer as pessoas perceberem que de facto são todas iguais. Acreditei que algo ia mudar para melhor, que nos íamos respeitar e abraçar as diferenças. Finalmente íamos unir-nos e inverter a curva de suicídio colectivo para onde caminhamos a alta velocidade. Mas parece que não, mantêm-se o individualismo, a dependência dos mais frágeis perante a ganância do mais fortes.

Foram precisos apenas dois meses de paragem geral (mas não total) para que um castelo de cartas chamado economia se desmoronasse. Dois meses. O que se procurou fazer, logo a seguir, foi montar de novo esse castelo, com muita pressa, regressar à economia com fita-cola, pois o que interessa é manter o castelo de cartas que mostrou ser isso mesmo, um castelo impotente a um sopro.

Estou a ser negativa? Estou naqueles dias em que tudo é preto, cinzento, ferrugem, podridão? Sim. Mas não estou sempre nestes dias, são mais aqueles em que sinto esperança e tomo consciência de que tenho muito a fazer pelos outros, por mim. Tenho de ir mais longe do que o fim da rua. Temos todos.

O problema dos dias cinzentos é que o negativismo não é ficcional, não é consequência de um mau humor. É uma dura tomada de consciência clara, nítida, tão transparente do mundo real. Já o bem é uma quimera, é algo a alcançar, é um sonho, como disse Martin Luther King.

Mas o verdadeiro poder não é sequer daqueles que, alto e bom som, disparam discursos extremistas num tom evangelista que nos vai salvar. Somos nós que permitimos esse tipo de discurso professado por ditos “políticos”, sociopatas que se deslumbram com a sua imagem no espelho. Sentem-se grandes mas não passam de marionetas ao serviço de poder económico, bélico, mortal.

São os Corleone que, sentados numa cómoda poltrona, manipulam numa mão os sociopatas e com a outra fazem festas ternurentas a um gato sem pedigree. São intocáveis.

“Há quem tenha medo que o medo acabe”, escreveu Mia Couto. É o medo que nos põe uns contra os outros. Velha estratégia, a de dividir para reinar. Simples, eficaz, letal.

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. (…)

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão. (…)

Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades enunciados.”

Excertos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada pela ONU em 1948, em defesa de valores como a liberdade, a igualdade e…

O que é feito da fraternidade da humanidade?

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