Há dúvidas pertinentes que se adensam em torno de uma contratação na empresa pública Parques de Sintra – Monte da Lua. Neste enredo participam a Câmara Municipal de Sintra, a referida empresa, o contratado e o PS, numa sequência aleatória. Para esclarecer as dúvidas, alguns vereadores da oposição já pediram explicações ao presidente da Câmara, que nunca lhes respondeu, dizem esses vereadores. E agora chegou-nos pelo correio uma carta anónima dirigida aos accionistas da PSML – Parques de Sintra Monte da Lua, que é uma empresa pública participada quer pelo Estado quer pela própria autarquia de Sintra.
A carta insurge-se contra a contratação de um secretário identificado como sendo Rui Miguel Sérgio Mateus. Os argumentos são vários, a saber: o contratado será já assessor do presidente da Câmara; o contratado não terá habilitações para o cargo que lhe foi designado; o contratado receberá um salário muito elevado, por comparação com outros trabalhadores com mais habilitações académicas; o contratado nunca terá sido visto no local de trabalho. Entre mais alguns argumentos, estes são os principais e que, caso se confirmem, indiciam um tratamento de favor em benefício do contratado.
Rui Mateus não é visto na PSML porque, realmente, continua a assessorar o presidente da Câmara. Muitas vezes é ele quem abre a porta do veículo onde Basílio Horta se faz transportar, outras vezes carrega-lhe a pasta de documentos, algumas vezes toma nota de contactos a pedido do chefe da autarquia. Terá sido contratado pela PSML como secretário, mas a quem ele realmente presta serviço é ao presidente da Câmara.
Na verdade, nos corredores dos Paços do Concelho, Rui Mateus é tido como assessor do senhor presidente. É assim que o tratam. Dizem-nos que funciona num gabinete ao lado do gabinete do presidente e que utiliza um veículo da Câmara Municipal com motorista à disposição. Mas oficialmente nunca terá sido nomeado como tal. É uma espécie de pequena “eminência parda”.
As normas e a ética na contratação pública
Segundo as normas, o Presidente de Câmara pode nomear duas secretárias ou secretários, um chefe de gabinete e um assessor ou assessora. Podia ter nomeado o Rui Mateus, mas parece que optou por não o fazer. E no entanto o homem existe e está lá, trabalha, alguém lhe paga. Será que o salário da PSML serve para pagar a assessoria ao presidente da Câmara? E quem lhe pagou e a que título, antes de celebrado o contrato com a PSML? No mandato anterior, os vereadores da oposição tentaram esclarecer esta relação de Rui Mateus com a autarquia, dizem nunca ter obtido respostas oficiais.
A estas questões, enviadas por email para a autarquia, o gabinete de imprensa da Câmara Municipal de Sintra respondeu assim: “Confirmamos o que é do conhecimento público, a atividade desenvolvida por Rui Mateus na autarquia decorre de contrato celebrado com uma empresa externa que assegura um conjunto de serviços nas áreas de comunicação/assessoria e que está publicado na plataforma base.gov.pt, onde estão descriminadas as respetivas obrigações. Estamos perante um contrato, desde 2014, no valor de 1579,50 euros mensais. Relativamente às restantes questões, esta autarquia não comenta denúncias anónimas.” Infelizmente, na resposta é omitido o nome da empresa contratada.
Basílio Horta abdicou de contratar diretamente um assessor de confiança. Talvez o impedimento tenha sido alguma incompatibilidade derivada de dívidas ao fisco. O nome do assessor consta da lista pública de devedores ao fisco. Mas, sendo assim, a PSML deveria sentir o mesmo impedimento. A não ser que não tenha cruzado essa informação.
O certo é que na lista de contactos da autarquia, o nome de Rui Mateus consta como pertencendo ao Gabinete da Presidência e tem mesmo um email @cm-sintra.pt, ou seja, um email que o identifica como trabalhador da autarquia.
Na carta anónima que referimos, há um outro pormenor interessante. Junto com a carta veio uma cópia de um email, onde uma administradora da PSML pede a Rui Mateus para verificar o contrato de trabalho que vai assinar e contribuir com algum melhoramento que entenda sugerir. Uma atitude rara nos dias de hoje. E a simpatia prolonga-se até às simulações possíveis sobre os descontos e subsídios ao salário, para que o trabalhador possa escolher a que mais lhe convém. Neste aspeto, um exemplo a seguir. Também é verdade que a administradora em questão trata o futuro funcionário por tu: “dá os teus contributos e fechamos isto em breve”, diz ela. Devem ser amigos de longa data.
Mais factos. Rui Mateus participa em muitos diálogos oficiais sobre assuntos da autarquia. Uma simples pesquisa na Internet permite encontrar correspondência electrónica endereçada à Câmara Municipal de Sintra por diversas entidades, onde o assessor de Basílio Horta está envolvido, depois de alegadamente ter sido contratado pela PSML.
Contactada por email, a PSML não respondeu a estas dúvidas. Há silêncios reveladores e este será eventualmente um desses casos.
Esta investigação não se destina a prejudicar a imagem de Rui Mateus. Deve ser um funcionário zeloso dos seus deveres, nem temos dúvidas sobre isso. Em tempos, o assessor enquanto assessorava também escrevia para o jornal online Sintra Notícias. Ainda o evento estava a decorrer e já a “notícia” era plantada no pasquim. Uma colaboração que deixou rasto na Internet, como se pode comprovar na imagem seguinte. Sendo assim, parece que ninguém ali sentiu algum conflito de interesses.
Na verdade, o que salta à vista de quem observa esta questão é o enredo político-partidário evidente. A administração da PSML é próxima de Basílio Horta, os amigos comuns são premiados pelos serviços prestados. Rui Mateus está nesse círculo, é próximo do Partido Socialista. Mas talvez não seja suposto que isso justifique nomeações, contratações e pagamentos. Mateus trabalha direta ou indiretamente para Basílio Horta antes deste ter sido eleito presidente da Câmara Municipal de Sintra, em 29 de setembro de 2013. Participou nessa campanha eleitoral, como ele próprio desvenda no seu Facebook pessoal, em fotografias lá expostas e partilhadas a partir da página da Concelhia do PS de Sintra ou da página da campanha de 2013 do PS Sintra e que nós partilhamos aqui, também, apenas dois exemplos.
Os críticos da actuação de Basílio Horta na gestão da autarquia consideram que a Câmara Municipal não deveria servir para pagar fidelidades partidárias. A confirmar-se a contratação deste assessor pela PSML, este será mais um caso do amiguismo partidário que está a dar cabo disto tudo.
Quanto à denúncia anónima, só por soberba ou medo alguém se refugia no argumento de que não “comenta denúncias anónimas”. A Procuradoria Geral da República já abriu muitos inquéritos a partir de denúncias anónimas. Quem denuncia e protege a sua identidade é porque teme represálias.
(solicitámos igualmente ao próprio Rui Mateus, através de email, que respondesse a estas dúvidas. Não recebemos qualquer resposta até à data da publicação deste artigo, 2 de setembro 2020, 19h05)