Lisboa não pode ser Brandoa

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A Câmara de Lisboa tem autorizado construções controversas porque entre a necessidade de preservar ou demolir e reconstruir, a opção tem sido quase sempre a segunda. E assim nascem aberrações a fazer lembrar a traça da Brandoa, às portas da capital.

A Brandoa nasceu na década de 1960 e ainda hoje passa por ser o caso mais grave de sempre de luvas na área da construção civil. Embora ninguém acredite.

O exemplar mais recente dessa arquitetura de caixote fica na Calçada da Estrela a poucos metros da residência oficial do primeiro-ministro e da Assembleia da República. E deveria envergonhar o arquitecto Manuel Salgado, braço direito do presidente Medina.

No lugar deste mamarracho existia um edifício bem desenhado, que foi demolido para dar lugar a um cubo de cimento. A porta de garagem foi enfiada  a martelo nessa coisa que rebenta a correnteza de edifícios característicos da calçada. Todos a precisarem de obras de manutenção.

Nos anos 80, a zona já tinha sofrido alguns “bombardeamentos” de adeptos dos prédios de varandas com marquises. Nesses tempos, as gentes tratavam a casa por casota. Imperava até a ideia de recuar os edifícios, como se a cidade tivesse de ser atravessada por auto-estradas de cem em cem metros.

Os anos passaram, as exigências estéticas subiram, mas com a chegada de Manuel Salgado ao pelouro do urbanismo a coisa tornou-se catastrófica. Salgado desatou a largar verdadeiras “bombas” deste tipo na cidade.

Deu seguimento ao que  Krus Abecassis já tinha feito com as Amoreiras na zona tradicional de Campolide e Campo de Ourique. Ainda hoje não se compreende qual foi o verdadeiro contributo daquelas torres fantasiosas para a qualidade de vida dos lisboetas.

Quem viajar pela Europa, por Barcelona, Viena, Paris, Madrid ou pelas cidades italianas, por exemplo, observará a procura da harmonia. À exclusão de Roterdão que foi arrasada na 2ª Grande Guerra. Aí os holandeses perderam a cabeça, mas já se arrependeram.

Um outro deslize, coisa mais pequena, aconteceu no Casco Velho de Barcelona, onde foi erguida uma torre descomunal para os serviços municipais. Mas há 15 anos, o povo de Barcelona reduziu a torre a um terço e a coisa normalizou-se.

À semelhança de Siena, em Itália, onde os bairros têm bandeiras próprias e onde se discutem as cores exactas de cada edifício, será necessário criar agora, em Lisboa, assembleias de bairro para deitar abaixo o que se fez de mal e repor as traças e as tradições.

Lisboa tem mais de mil anos de existência. Cada casa, rua, ruela, praça ou degrau contam uma história, uma luta, um caminho na procura da felicidade. Ninguém quer voltar ao antigamente, mas tão pouco queremos que Lisboa venha a ser a Brandoa de há 60 anos.

2 COMENTÁRIOS

  1. Tem direito a sua opinião mas, na minha, o prédio em questão é lindíssimo. É verdade que tem uma parede lisa de cimento a ocupar quase toda a fachada, mas a mesma foi aligeirada com um delicado painel de azulejos com a silhueta de uma árvore. A arquitetura é despojada mas o referido painel não o deixa destoar na cidade de Lisboa. Há aliás vários edifícios modernistas em Lisboa que têm um painel cerâmico a ocupar toda a altura da fachada (por exemplo, o do defunto Apple 70, que por sinal também tem árvores pintadas). As cidades são feitas de camadas de uso, e são tanto mais interessantes quanto mais variedade tiverem. O portão da garagem é a única coisa que destoa na casa. Pode ser que alguém um dia lhe desenhe um portão mais artístico.

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