Esta semana soubemos que a apresentadora Cristina Ferreira regressou à TVI. A SIC, apanhada desprevenida, classificou essa mudança como uma decisão “unilateral, abrupta e surpreendente”. Ainda hoje, Daniel Oliveira, na sua página do Facebook, fez um comunicado acerca do assunto, declarando a qualidade da sua estação e citando nomes que fazem parte da sua equipa, para afirmar a continuidade dos seus projetos e respeitando a concorrência.
Nas redes sociais, houve clivagens de opinião. Uns ressalvaram a ascensão de uma mulher com garra, alegrando-se com o empoderamento feminino que muita popularidade e muitos milhões significam na mão desta figura televisiva, outros assinalaram a ingratidão que a mesma revelou face a uma casa que a recebeu de braços abertos ainda não há muito tempo, também com doses assinaláveis de fama e de euros em simultâneo.
Uns ainda falam ainda na crise de valores não monetários ,ou seja, do desamor pela camisola, qual jogador de futebol a ser disputado pelos grandes clubes, onde outros consideram precisamente que vencer na transação do mercado é um direito que assiste tanto aos futebolistas homens como às “tv hosts” femininas, argumento este que, admitamos, é dificil de refutar.
Ao privado o que é do privado, que foi sempre, e de resto, a explicação dada para os gastos milionários em nomes que vendem, seja num campo desportivo ou num ecrã, grande ou pequeno. Acontece que, neste caso, o governo injetou capital nos media e nas televisões portuguesas e que lá vai também o dinheiro dos nossos impostos, dizem ainda mais uns, o que não deixa igualmente de ter um fundo de verdade. Para mais, estamos em tempo de pandemia, com toda a contenção de despesa necessária numas áreas para aplicar noutras bastante mais necessitadas. Certo, claro.
Este mosaico de opiniões tem a sua graça mas, admita-se, nada adianta em relação ao que está feito. A apresentadora fez a sua escolha, após um muito discreto namoro, e sobe mais uns degraus na escadaria do sucesso pessoal, independentemente de muitos de nós não lhe apreciarmos o estilo ou lhe reconhecermos talento ou qualidade no que faz ou, sobretudo, no modo como o faz.
Entretanto, a própria sentiu necessidade de justificar o volt-face mediático que criou com a quebra de contrato com a SIC. Assim, “Alguém me disse que a casa-mãe precisava de mim. Ninguém gosta de ver a casa da mãe a cair”, disse ao Expresso. Desconhecendo em que moldes a casa da mãe estava, podemos essencialmente ter duas reações perante esta justificação.
Por um lado, podemos considerar esta ação como um ato generoso de quem não conseguiu cortar o cordão umbilical, por outro podemos classificar esta afirmação como pura hipocrisia, num mundo em que todos nos movemos por interesse de uma maneira ou doutra e numa altura em que ter dinheiro na mão nos assegura mil preocupações a menos.
E se fosse um homem? Os homens também dão berros na televisão, sobretudo naqueles debates sobre futebol que muitos de nós não veem por opção. Respondendo, não parece que o Manuel Luís Goucha ou o Cláudio Ramos sejam propriamente apreciados por todos, se falarmos de apresentadores. E o mesmo vai para nomes como Manuel Serrão e companheiros de berraria e nervos que assaltam os canais informativos nas muitas noites de jogos.
A verdade é que o estilo e a qualidade podem não ser consensuais e a isso temos direito. Outra verdade é que a apresentadora revela esperteza na forma como tem subido na televisão e até na sociedade portuguesa, sem dúvida. Pode até ser uma trabalhadora incansável e uma pessoa boa para os demais, não é essa sequer a questão. A questão é que ela simboliza, mulher ou homem, a ambição atual em ganhar cada vez mais, também no sentido literalmente financeiro da palavra. Por isso, tudo o que há a fazer é não negar isso. Que não nos digam, tão somente, que estes regressos são por pura abnegação ou extrema necessidade de colo.