Uma boa filha à casa torna

0
1676

Esta semana soubemos que a apresentadora Cristina Ferreira regressou à TVI. A SIC, apanhada desprevenida, classificou essa mudança como uma decisão “unilateral, abrupta e surpreendente”. Ainda hoje, Daniel Oliveira, na sua página do Facebook, fez um comunicado acerca do assunto, declarando a qualidade da sua estação e citando nomes que fazem parte da sua equipa, para afirmar a continuidade dos seus projetos e respeitando a concorrência.

Nas redes sociais, houve clivagens de opinião. Uns ressalvaram a ascensão de uma mulher com garra, alegrando-se com o empoderamento feminino que muita popularidade e muitos milhões significam na mão desta figura televisiva, outros assinalaram a ingratidão que a mesma revelou face a uma casa que a recebeu de braços abertos ainda não há muito tempo, também com doses assinaláveis de fama e de euros em simultâneo.

Uns ainda falam ainda na crise de valores não monetários ,ou seja, do desamor pela camisola, qual jogador de futebol a ser disputado pelos grandes clubes, onde outros consideram precisamente que vencer na transação do mercado é um direito que assiste tanto aos futebolistas homens como às “tv hosts” femininas, argumento este que, admitamos, é dificil de refutar.

Ao privado o que é do privado, que foi sempre, e de resto, a explicação dada para os gastos milionários em nomes que vendem, seja num campo desportivo ou num ecrã, grande ou pequeno. Acontece que, neste caso, o governo injetou capital nos media e nas televisões portuguesas e que lá vai também o dinheiro dos nossos impostos, dizem ainda mais uns, o que não deixa igualmente de ter um fundo de verdade. Para mais, estamos em tempo de pandemia, com toda a contenção de despesa necessária numas áreas para aplicar noutras bastante mais necessitadas. Certo, claro.

Este mosaico de opiniões tem a sua graça mas, admita-se, nada adianta em relação ao que está feito. A apresentadora fez a sua escolha, após um muito discreto namoro, e sobe mais uns degraus na escadaria do sucesso pessoal, independentemente de muitos de nós não lhe apreciarmos o estilo ou lhe reconhecermos talento ou qualidade no que faz ou, sobretudo, no modo como o faz.

Entretanto, a própria sentiu necessidade de justificar o volt-face mediático que criou com a quebra de contrato com a SIC. Assim, “Alguém me disse que a casa-mãe precisava de mim. Ninguém gosta de ver a casa da mãe a cair”, disse ao Expresso. Desconhecendo em que moldes a casa da mãe estava, podemos essencialmente ter duas reações perante esta justificação.

Por um lado, podemos considerar esta ação como um ato generoso de quem não conseguiu cortar o cordão umbilical, por outro podemos classificar esta afirmação como pura hipocrisia, num mundo em que todos nos movemos por interesse de uma maneira ou doutra e numa altura em que ter dinheiro na mão nos assegura mil preocupações a menos.

E se fosse um homem? Os homens também dão berros na televisão, sobretudo naqueles debates sobre futebol que muitos de nós não veem por opção. Respondendo, não parece que o Manuel Luís Goucha ou o Cláudio Ramos sejam propriamente apreciados por todos, se falarmos de apresentadores. E o mesmo vai para nomes como Manuel Serrão e companheiros de berraria e nervos que assaltam os canais informativos nas muitas noites de jogos.

A verdade é que o estilo e a qualidade podem não ser consensuais e a isso temos direito. Outra verdade é que a apresentadora revela esperteza na forma como tem subido na televisão e até na sociedade portuguesa, sem dúvida. Pode até ser uma trabalhadora incansável e uma pessoa boa para os demais, não é essa sequer a questão. A questão é que ela simboliza, mulher ou homem, a ambição atual em ganhar cada vez mais, também no sentido literalmente financeiro da palavra. Por isso, tudo o que há a fazer é não negar isso. Que não nos digam, tão somente, que estes regressos são por pura abnegação ou extrema necessidade de colo.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui