São assim os escritores: alternam fases de grande produção com outras em que o mar se enrola na areia e não dá peixe que possam “vender”. É esta a praia que frequento desde há dias, depois de muito pregar sobre o covid-19.
“Cansado” com a desorientação a que assisto, só mesmo o choque televisivo entre dois amigos – Correia de Campos de quem eu “disse bem” no meu último livro e Diogo Cabrita que o apresentou – faria quebrar a quarentena de silêncio a que me remeti.
Valerá a pena escrever mais, quando a OMS está a saque e o Infarmed / DGS têm a lata de promover reuniões à “porta fechada”? Se o “tuga” se irrita porque o PM foi a Elvas “falar espanhol”, mas nem repara no descomando dos agentes policiais que nem máscara protetora aí usaram? E será possível dialogar com uma classe dirigente que dispensa a razão e a ética e se limita a sobreviver, submissa a outros interesses dominantes?
Como diria Adriano, vão dizer que só “trago tempestades”. Que importa isso, na semana em que a comunidade médica mundial ainda nenhuma certeza assentou sobre a eficácia da cloroquina e em que novo e dispendioso medicamento é anunciado como milagre? Ponho o pescoço no cepo: este “desenvolvimento da ciência” poderá ajudar, mas nunca será mais eficaz do que a vulgar cortisona que, escrevi eu em março, assim em letras gordas, “INCRIVELMENTE” ainda não havia sido ensaiado. E ainda não o foi, devidamente…
O jogo está por demais viciado e Diogo Cabrita bem sentiu o que outras vozes livres passam quando ousam afrontar os poderes instituídos: convidado para tratar do SNS e do “seu” hospital, foi surpreendido com uma troca pelo covid-19 – matéria que a sua honestidade enjeitaria por não ser da sua especialidade – para, depois, ainda ser atropelado por uma gestão de tempos e de interrupções, que demonstraram muita falta de isenção. Onde já viram isto?
Ficou, contudo, da sua brilhante entrevista, para além de uma enorme coragem e sensatez, a noção de que a eficácia do combate ao covid-19 é peditório para o qual já ninguém dá e de que o desmantelamento do SNS prossegue, sendo as ruínas do Hospital dos Covões um futuro local de peregrinação a visitar. Subscrevendo, sem reservas e por inteiro essas suas conclusões, irei, sem bairrismo ou interesse pessoal, cingir-me ao exemplo que apresentou: Vale a pena, afinal, manter o hospital dos Covões?
Com um grande hospital de construção recente em Coimbra, e que integra uma área urbana que mal ultrapassa a centena de milhar de habitantes, diria liminarmente que NÃO. Se o nosso país fosse um “país normal”…
Só que em Portugal, onde a antiga “terceira cidade” se pôs a jeito, esta opção merece melhor reflexão: desde logo, porque Coimbra é a metrópole de uma grande área quase toda em “desertificação” sanitária e não só; depois, por aí dominar uma gestão corporativa, que combate a crítica e restringe a livre opinião.
Ao contrário da Igreja Católica, por exemplo, a sua Universidade ainda não foi capaz de reconhecer erros e excessos e prestar homenagem às suas vítimas. E tantas foram…
E assim chegamos ao Hospital dos Covões que, historicamente, foi o degredo ou o refúgio que muitos “exilados” da margem direita encontraram na margem esquerda. Eu próprio, a certa altura da minha vida profissional, obtive do meu saudoso amigo Lourenço Gonçalves essa “proteção”.
Não falo de “goleada”, mas o “obscuro” CHC conseguiu a confiança do rio Mondego para sul e até afirmar-se como referência em diversas especialidades, em que prestou inestimáveis serviços. Se mais casos não existissem, e muitos há, bastariam a ORL de dois reconhecidos irmãos ou a Cirurgia Toráxica de Carlos Janelas, para nos fazer refletir um pouco mais.
Perante o estado atual de uma nação que construiu recentemente um hospital desfasado das realidades, e que nitidamente não consegue responder com qualidade às ambições de milhões de portugueses, que fazer?
Médico e cidadão, com um bem-haja ao Diogo Cabrita, sem dúvida que só poderei estar ao lado de quem quer evitar a “morte temida” do Hospital dos Covões.