O racismo e a xenofobia são vírus sociais que matam, minam e destroem os regimes democráticos. Os responsáveis pelas respetivas hierarquias das Forças e Serviços de Segurança ao não reconhecerem, numa atitude corporativista, a existência destes fenómenos no seio das suas Forças, têm em certa forma permitido comportamentos que, à luz da Lei Portuguesa, consubstanciam atividade ilícita e que levam ao surgimento de grupos ou organizações do tipo do autodenominado M0 (Movimento Zero), que encheram as páginas das redes sociais com considerações pouco abonatórias para elementos policiais e em muitos casos, com afirmações de cariz nazi, xenófobas e racistas, apelativas ao ódio e à discriminação.
E isto, ao contrário daquilo que não parece, é e anda tudo ligado
O Movimento Zero é um movimento de cariz político clandestino, que agora parece ter submergido, ou hibernado, contudo ele existe e apesar da cúpula ser exógena, é formado essencialmente por membros das Forças e Serviços de Segurança, com alguns elos de contacto às Forças Armadas, de matriz racista e xenófoba com profundas ligações a organizações da extrema direita europeia e que tem agora representação no Parlamento Português.
Só por elevada dose de ingenuidade política ou de incompetência analítica, se pode afirmar que este tipo de organizações são meros movimentos espontâneos, inorgânicos e desprovidos de qualquer objetivo político. Nada mais errado. Como podem ser considerados espontâneos, quando se sabe que eles provêm de um processo de “fermentação” com mais de quinze anos? Nem tampouco devem ser considerados inorgânicos, quando é sobejamente conhecida a sua matriz política e ideológica e organizativa, com que tentam minar e recolher apoios em sectores estratégicos do país, que devem ser o garante da Democracia, como é o caso das Forças de Segurança.
Devemos olhar com sentido de Estado e responsabilidade democrática para o surgimento destes movimentos populistas que rapidamente acolhem o apoio e militância de muitos profissionais da polícia e forças armadas, devido às politicas desastrosas e ao completo abandono a que foram sujeitos por sucessivos governos.
Desde há muito que dirigentes sindicais e associativos das Forças e Serviços de Segurança vinham alertando para este fenómeno. Há mais de uma dezena de anos que indivíduos defensores dos ideais neonazis, xenófobos e racistas se vinham alistando nas nossas forças policiais e organizando-se, nomeadamente através da criação de grupos fechados nas redes sociais e em alguns casos, criando organismos sindicais, como forma de camuflarem a sua atividade clandestina, sendo mais percetível a sua influência no seio da PSP na GNR e no Corpo da Guarda Prisional. Tratam-se de movimentos/grupos que vêm desde há alguns anos a receber apoios e instruções através de deslocações que realizam a alguns países europeus, participando aí em reuniões com organizações de extrema direita.
Infelizmente, mesmo depois dos inúmeros alertas, em que Manuel Morais ex-dirigente da ASSP/PSP, foi e é, uma das referências nestas denúncias, os responsáveis políticos e hierarquias das Forças de Segurança têm subestimado este fenómeno e continuam a assobiar para o lado, sem lhes darem a devida atenção.
De certo modo, podemos dizer que os verdadeiros responsáveis pelo surgimento de alguns destes grupos organizados no seio das nossas policias, foram todos os governos que permitiram e patrocinaram a divisão do movimento sindical nas Forças de Segurança.
Alteraram recentemente a Lei Sindical na PSP. Era uma medida necessária há muito. Contudo é preciso ter algum cuidado para que não sejam postos em causa, as liberdades, direitos e garantias, salvaguardados pela Constituição da República Portuguesa. Mas, já estamos a correr atrás do prejuízo. A influência da extrema direita nas estruturas sindicais e associativas é já de tal forma grande e, em alguns casos determinante, que obrigou por exemplo a que a ASPP / PSP, o maior sindicato da PSP, demitisse um dirigente histórico, Manuel Morais, por ter tornado público, aquilo que já era do conhecimento de todos.
Só posso lamentar a forma como este bom profissional e grande dirigente sindical foi tratado. Não por aqueles que pediram a sua cabeça, mas pela Estrutura Sindical a que pertencia e à qual deu o seu melhor ao longo dos últimos 30 anos. Infelizmente a Direção da ASSP/PSP não conseguiu resistir às pressões dos grupos organizados da extrema direita, existentes no seio das Forças de Segurança, grupos que obedecem ao PNR, a Mário Machado e a André Ventura do Chega. O tempo vai mostrar quem de facto tinha razão .
Por sua vez, o Governo, se continuar a subestimar e a não dar respostas positivas a um conjunto de problemas graves e às justas reivindicações que são hoje inadiáveis para os profissionais de policia, nomeadamente da PSP e da GNR, não será com a Lei da Rolha que vai pôr fim a estes comportamentos desviantes que mancham milhares de homens e mulheres que servem nas Forças e Serviços de Segurança do País.