Só quem não me conhece é que não sabe.
Sempre procuro resolver os problemas a velocidade meteórica e raramente me é ouvida a palavra NÃO.
Por isso, hoje não vou falar da pandemia, que em tempos anunciei e para a qual, oportunamente, recomendei medidas urgentes de formação sanitária das populações, a começar pela Proteção Civil.
Não falhei uma só previsão, e eram sensatos e tecnicamente irrebatíveis os meus argumentos, mas logo me acusaram de alarmismo, quiçá de oportunismo.
Embora silenciado vezes demais, mesmo assim não consigo remeter-me a um silêncio total. Até porque, ainda hoje, detetamos falhas imperdoáveis e incríveis desentendimentos na linha de comando do combate à pandemia como a suspensão de emergências médicas, “apenas” por que a GNR se recusou a desinfetar as ambulâncias, como vinha fazendo. Enfim, mais um episódio grotesco que ninguém, que não viva à custa do alheio, atura.
Estou, como já devem ter percebido, em casmurra maré de “não e mais não” e só não dou início a este texto com essa inusitada palavra, por razões de ordem “estética”.
Em boa verdade, eu deveria abrir esta “obra” com um velho dito popular:
– Não há fome que não dê em fartura!
“Atacado” de dois em dois minutos, e por todos os lados, com preciosidades da pandemia, tais como as regras que devemos observar para ir aos saldos nos centros comerciais da cosmopolita Lisboa, ou, mais ou menos, como teremos de nos deslocar até à praia, onde há sempre um amigo com um barco à nossa espera, quero solenemente declarar que estou farto, fartíssimo, desde há três meses, de pregar sobre o Covid-19, a quem a nossa DGS durante muito tempo até nem “passava atestado”.
Por não vos querer chagar mais com a pandemia, não vou dar, hoje, para esse peditório, preferindo abordar a “portugalidade”.
Ora toma, que isto hoje é para intelectuais!…
É na verdade um tema que dá pano para mangas… desde D. Afonso Henriques a Albuquerque e de Camões a Pessoa.
E até vem muito a propósito, dada a recente polémica em torno de uma proposta presente na Assembleia da República, onde se discute conceder a nacionalidade portuguesa aos descendentes dos judeus, alegadamente “expulsos” de Portugal por D. Manuel I.
Esta história está um pouco aldrabada mas, é indesmentível, com o édito de expulsão dos judeus pelos “Reis Católicos”, grande parte da comunidade judia peninsular refugiou-se em Portugal, onde ganhou a preponderância que dissolveu o convívio equilibrado e pacífico com a religião maioritária.
Pressionado pela política, D. Manuel I até nem foi muito intolerante e só a sua ausência de Lisboa terá possibilitado o massacre de 1503, um incidente horrível que não ilustra a nossa História.
Certo é que a vida não estava nada fácil para os judeus, tendo então o nosso rei, já então chefe de um “país de brandos costumes”, mandado batizá-los à força e assim os transformar, com a bênção divina, em “cristãos-novos”.
“Medida” que não surtiu grande efeito porque a grande maioria prosseguia secretamente com as suas práticas tradicionais. “Escândalo” que, décadas depois, daria origem à Sacrossanta Instituição Santo Ofício de quem, já no séc. XX, a PIDE herdaria tiques ainda hoje presentes na sociedade portuguesa.
Ao correr mundo deparei, na África do Sul e nos Estados Unidos, na Turquia e na Holanda, com judeus que, dizendo-se descendentes de portugueses, conseguiam recitar orações e reproduzir cânticos entaramelados, mas em que se reconhecia a nossa língua materna.
Será que, se verdadeiramente o provarem e o desejarem, não merecem mais a nacionalidade portuguesa do que milhares de estrangeiros que, nem ao cabo de gerações, irão abraçar a nossa bandeira ou cantar o nosso hino?
Já agora, no momento em que o Brexit suscita a questão de Gibraltar, permitam-me que introduza na sociedade portuguesa um novo tema:
Por que não falamos, também, dos irmãos que deixámos abandonados em Olivença, do outro lado do Rio Guadiana, sem nunca termos ido em seu socorro?
Séculos depois acredito que a maioria dos oliventinos, “traídos” por Portugal, tenha perdido os laços com o seu país de origem por que se bateram alguns dos seus ilustres ancestrais.
Não será tempo de, num ato de coragem, inteligência e reparação, concedermos, também, àqueles oliventinos que o desejarem a nacionalidade portuguesa?
Afinal, o que é ser português?